quarta-feira, 9 de maio de 2018

Mangabeira Unger, o PT e as eleições 2018


Às vezes acho que o Partido dos Trabalhadores está atravessando um “corredor polonês”.

De um lado, berram: “quadrilha, quadrilha, quadrilha”!!!

Do outro lado, berram: “desiste, desiste, desiste”!!!

Um dos que assumiu essa função é Mangabeira Unger, em entrevista concedida no dia 7 e publicada no dia 9 de maio jornal Folha de S. Paulo.


Um alerta: comentar entrevistas é sempre um risco. Afinal, nem sempre os editores são fiéis ao dito. E há que considerar a possibilidade de desmentidos e correções posteriores. Assim, fica aqui o alerta: o que vou dizer a seguir baseia-se no que foi publicado e pressupõe que a edição da entrevista tenha sido fiel ao entrevistado.

Mangabeira neste momento está apoiando a candidatura de Ciro Gomes. E vai direto ao ponto: “há um problema concreto: um partido dentro da chamada esquerda ou centro-esquerda se acostumou a uma condição hegemônica e a tratar os outros como satélites. Seria o cúmulo da irresponsabilidade política que esse partido não apoiasse alternativa com maior potencial de chegar ao poder”.

Neste raciocínio há três frases muito curiosas: “o PT se acostumou”, “maior potencial de chegar ao poder” e “um problema concreto”.

Não há espaço aqui para falar da história do PT. Assim, passo direto ao resumo: o PT não se “acostumou”, o PT conquistou com muita luta a condição de principal partido de esquerda do Brasil, em termos de votos, presença institucional e principalmente apoio social.

Claro: isto não dá ao Partido dos Trabalhadores monopólio de absolutamente nada. E, sem dúvida, a relação do PT com seus aliados nunca foi uma maravilha. Mas atenção: onde, em que época, em que lugar do mundo, a relação entre partidos aliados foi ou é tranquila, harmônica, sem conflitos? Por exemplo, como são as coisas naqueles estados e naquelas cidades onde os “outros” – para usar o termo de Mangabeira -- mantém a mesma “condição hegemônica” que o PT conquistou em âmbito nacional??

Na verdade, a atitude do PT frente a seus aliados pode ser melhor ou pior, mas não é um ponto fora da curva.

Portanto, a crítica de Mangabeira é na verdade pura retórica: cobra do PT virtudes muito elevadas, não as encontra, então aponta o dedo acusador e lança suas “críticas de efeito moral”.

A expectativa é que, submetidos ao bombardeio, tomados de sentimento de culpa e atordoamento, alguns petistas aceitem como se fossem verdadeiras frases do tipo: “seria o cúmulo da irresponsabilidade política que esse partido não apoiasse alternativa com maior potencial de chegar ao poder”.

Passemos então à segunda frase: Ciro tem mesmo “maior potencial de chegar ao poder”?

(Registro: neste país onde a classe dominante nunca teve seu poder ameaçado, há quem fale de governo como se fosse igual a poder.)

A pergunta óbvia é: maior potencial em relação a quem?

Até o momento, Lula lidera todas as pesquisas. Por sua vez, a preferência popular pelo Partido dos Trabalhadores é algumas vezes superior a dos demais partidos.

Não é obviamente o que eu defendo, mas apenas para facilitar a discussão, vamos supor que o PT cometesse a, digamos, estultice de desistir de Lula.

Vamos imaginar, também, que o PT resolvesse não tirar todas as decorrências da afirmação “eleição sem Lula é fraude”.

Consideradas todas estas hipóteses, ainda assim caberia perguntar: por qual motivo a única, a principal ou a melhor alternativa do PT seria apoiar Ciro?

A Folha perguntou isto a Mangabeira: “O PT tem chance de chegar ao poder se não fizer uma aliança com Ciro?”

A resposta publicada foi: “Não vejo no quadro atual”.

Claro, nem a força de Lula, nem a força do PT, garantem vitória, nem mesmo asseguram um bom desempenho, especialmente numa “eleição” em tempos de golpe.

Mas para usar as palavras de Mangabeira, levando em conta as pesquisas atuais e a trajetória histórica, seria “o cúmulo da irresponsabilidade política” que o PT não considerasse outras alternativas.

Isto nos remete a terceira frase muito curiosa de Mangabeira: “um problema concreto”.

Os apoiadores de Ciro acham que seu “problema concreto” são os outros. Se ele não superou até agora determinado patamar de votos, seu “problema concreto”, segundo Mangabeira, seria o PT, incapaz de perceber que estamos diante do último biscoito do pacote.

Antes que reclamem, a frase é de Mangabeira: “a candidatura do Ciro é de longe a nossa melhor, senão a nossa única opção”.

Com o perdão da brincadeira: “nossa” quem, cara pálida?

Mangabeira quer “realismo político” e cobra que “nossos aliados compreendam a sua responsabilidade histórica”.

Perfeito: sejamos realistas.

O quadro das eleições 2018 ainda está embaralhado. Até agora os golpistas não se puseram de acordo, e não se puseram de acordo entre outros motivos porque nenhuma de suas candidaturas emplacou. Do outro lado, Lula lidera todas as pesquisas.

Para resolver isso, não basta unificar a direita. Não basta nem mesmo prender Lula. É preciso também “convencer” o povo de que Lula não será candidato. E este “convencimento” precisa ser feito já, não em agosto-setembro. Pois os golpistas sabem que tirar Lula da disputa presidencial neste momento pode ser tarde demais para eles. Entre outros motivos porque, na reta final, a chance de transferência de votos seria maior do que hoje.

Sendo assim, como não desejam cancelar as eleições e como não admitem a hipótese de perder, a alternativa dos golpistas é fraudar desde já, com muita antecedência: por isso é preciso, por exemplo, tirar Lula das pesquisas, é preciso tirar Lula das sabatinas, é preciso tirar da mídia o movimento pela liberdade de Lula e pelo direito dele ser candidato.

É nesse contexto que deve ser vista a “responsabilidade histórica” de declarações como as de Mangabeira, bem como de algumas lideranças e governadores que se opuseram e lutam contra o golpe.

Falar em desistir de Lula, objetivamente, apenas ajuda na movimentação da direita.

Além disso, mesmo do ponto de vista dos que defendem um plano B, é um erro imenso apostar as fichas numa operação precoce de “transferência de votos”.

Como já disse antes, não é minha posição, mas imaginemos, só por hipótese, que Lula ou o PT indicassem neste momento um “plano B”, meses antes daquele momento em que a maior parte da população analisa as alternativas e decide seu voto.

O resultado prático seria duplo: por um lado, reduziria as chances de uma transferência de apoio no momento mais adequado; por outro lado, transformaria o tal nome alternativo em alvo de todas as baterias da direita.

Ciro (e Mangabeira) sabem disso? Suponho que sim.

Mas então por qual motivo tanta pressão sobre o PT, para que desista de Lula e apoie Ciro neste momento?

Medo de que o PT vá com Lula até o final?

Medo de que o PT aposte num “plano B” petista?

Medo de que a transferência de votos exija muito tempo?

Nenhuma das alternativas anteriores. O problema, na minha opinião, é que Ciro acredita que a solução para a crise política passa pela eleição de um presidente de centro. Tipo: nem Lula, nem Bolsonaro, nem radicalismo de esquerda nem de direita.

Por isto ele precisa deixar muito claro que não será candidato de Lula, nem do PT, nem da esquerda.

Acontece que, para ser eleito, Ciro precisa chegar ao segundo turno. E para isto precisa de um pouco mais de votos. Ele poderia buscar estes votos no eleitorado de direita e/ou de centro, mas o mercado ali está muito competitivo.

Ele poderia, também, buscar votos de pessoas que hoje continuam apoiando Lula e o PT. Mas para conseguir estes votos, ele precisa dizer que Lula e o PT não tem outra alternativa. Esta argumentação gera antipatias dentro do eleitorado petista e lulista. Mas neste momento ele não precisa de todos os votos, só do suficiente para ir ao segundo turno. Pois acredita que, no segundo turno, contra uma candidatura vinda do campo golpista, ele seria escolhido por exclusão.

Para usar uma expressão antiga, Ciro acredita que no segundo turno o PT faria como Brizola em 1989: engoliria o sapo barbudo.

Não é uma tática eleitoral absurda. Afinal, se a eleição for muito pulverizada, uma candidatura com poucos votos no primeiro turno pode mesmo ir ao segundo turno.

Mas é uma tática eleitoral no mínimo arriscada. Afinal, outras candidaturas farão movimento similar. Inclusive candidaturas golpistas tentarão vestir a mesma fantasia de equilíbrio. É por isso que, paradoxalmente, apesar do meio-ambiente político estar radicalizado e polarizado, tudo indica que vai ocorrer um congestionamento de candidaturas que se apresentam como de centro. Aliás, mais uma de várias semelhanças desta eleição de 2018 com a de 1989.

Portanto, a opção de Ciro por bater no PT e demarcar com Lula não é um erro. É uma aposta. Erram os petistas que não percebem isto. E erram mais ainda os que esquecem que o principal problema da candidatura de Ciro não é tático ou eleitoral, é estratégico e programático.

Mangabeira, do jeito que lhe é típico, diz que “as particularidades do Ciro podem ser agora úteis ao país” e que “a elite jurídica (...) tem um papel que é desestabilizar os acertos oligárquicos e abrir espaço para a energia cívica”.

E a serviço do que essa “energia cívica” seria utilizada? Não será, como a entrevista de Mangabeira deixa claro, em favor da revogação das medidas golpistas, nem de um programa democrático popular, não será nem mesmo em favor de uma “pacificação” em favor do “andar de baixo”.

Por isto tudo, Lula faz muito bem em continuar candidatíssimo.  E o PT faz muito bem em deixar claro que não existe nenhuma outra alternativa real para a crise política nacional, uma alternativa que beneficie a maioria do povo, que não passe por eleições livres, Lula candidato e Lula presidente. O resto é fake news.

Segue a entrevista, transcrita pela análise de mídia da Fundação Perseu Abramo:
”Conselheiro de Ciro, Mangabeira Unger cobra apoio da esquerda” - Considerado o guru de Ciro Gomes, o filósofo Roberto Mangabeira Unger não vislumbra no cenário atual a chance de o PT participar da coalizão vencedora caso não apoie o PDT. Em entrevista na segunda (7), ele afirmou que o pré-candidato não servirá de "instrumento do PT" e disse acreditar que, mesmo com a atual resistência dos petistas, a sigla deve chegar a um momento de "realismo político".
·  Folha - A esquerda passa por um forte desgaste de imagem. Por que ela seria eleita neste ano?
·  Roberto Mangabeira  Unger -  A candidatura de Ciro não deve ser apenas projeto de centro-esquerda. Deve ser um projeto que se ofereça como veículo político ao agente social mais importante do país, que chamamos de emergentes.
·  Mas a fragmentação da esquerda não inviabiliza seu retorno ao poder?
·  Há um problema concreto: um partido dentro da chamada esquerda ou centro-esquerda se acostumou a uma condição hegemônica e a tratar os outros como satélites. Seria o cúmulo da irresponsabilidade política que esse partido não apoiasse alternativa com maior potencial de chegar ao poder.
·  O PT tem chance de chegar ao poder se não fizer uma aliança com Ciro?
·  Não vejo no quadro atual. Agora, a candidatura do Ciro é de longe a nossa melhor, senão a nossa única opção. Ciro jamais será instrumento do PT. É agente de um projeto transformador que as forças comprometidas com um produtivismo inclusivo têm a responsabilidade histórica de apoiar.
·  Mas o próprio Ciro afirmou que as chances de o PT ser vice dele são próximas a zero. Ele não tem contribuído com a desagregação?
·  Eu não sou tão pessimista quanto o Ciro a esse respeito. Eu acho que não só deve, mas pode chegar o momento do realismo político, em que nossos aliados compreendam a sua responsabilidade histórica.
·  O senhor disse no passado que considera Ciro uma espécie de "outsider". Como ele pode sê-lo se tem origem em uma das principais oligarquias do Ceará?
·  Eu não usaria "outsider". Não tem essa de se fantasiar de "outsider" ou "insider". As particularidades do Ciro podem ser agora úteis ao país.
·  A defesa de Lula diz que o petista é vítima de "lawfare", ou seja, uso ilegítimo de recursos jurídicos. O conceito se aplica a ele?
·  A condenação me parece injusta, baseada em um conjunto frágil de provas indiciárias. A elite jurídica não pode assumir a condução do país. Ela tem um papel que é desestabilizar os acertos oligárquicos e abrir espaço para a energia cívica.
·  O teto dos gastos aprovado pelo Congresso Nacional precisa ser alterado?
·  O teto como construído é uma camisa de força para substituir a base real do realismo fiscal. Quiseram impor o sacrifício sem as oportunidades. Devemos ter regras de contenção fiscal, mas não devem ser genéricas que não distingam entre o que é estratégico e o que não é e o que é custeio e o que é investimento.
·  Ciro deve manter ou revogar a reforma trabalhista?
·  A reforma nos moldes em que foi adotada é um exemplo clássico da erosão dos direitos do trabalho. É inaceitável defender os interesses da minoria organizada contra os interesses da maioria desorganizada e usar o imperativo da flexibilidade como pretexto para jogar a maioria na precarização.
·  Há no PDT a defesa que Ciro seja domesticado para o mercado financeiro. Ele é domesticável?
·  Jamais, a meu ver, será.
·  A carga tributária deve ser elevada?
·  Com completa honestidade intelectual, entendo que o Brasil terá de manter alta carga tributária, combinando tributos progressivos, como a tributação de lucros e dividendos, com tributação neutra e indireta do consumo. Quem diz que nós podemos reduzir a carga tributária de forma compatível com o realismo fiscal está mentindo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário