segunda-feira, 7 de maio de 2018

A possível derrota do PT, segundo Aldo Fornazieri


Recomendo a leitura do texto de Aldo Fornazieri, publicado no dia 7 de maio e intitulado “PT: construindo uma nova derrota?
Recomendo a leitura, não por concordar com o que é dito, mas porque a maneira com que Aldo expõe seu argumentos facilita a discussão das questões em jogo.
(Aliás, uma nota a parte: conheço Aldo Fornazieri desde 1980, creio eu, quando ele defendia a partir do PRC posições que para mim pareciam esquerdistas. Depois convivi com ele na direção do Partido dos Trabalhadores, época em que Aldo defendia posições que a mim pareciam ultramoderadas, algumas das quais contribuíram para os problemas que o PT vive hoje. Hoje sigo leitor de alguns seus textos. Nestes três tempos, respeito sua argumentação lógica e a honestidade de propósitos.)
Aldo diz que o PT vem “colhendo derrotas sucessivas desde o início de 2015”. E depois de descrever a via crucis do petismo, Aldo arremata: “o PT dos últimos tempos está longe de ser o PT dos comandos de Lula, de José Dirceu e de José Genoino. Naqueles tempos, o partido tinha unidade de comando”; hoje, “os dirigentes são generais sem exército e os militantes são um exército sem generais”.
É uma maneira de expor o problema. Mas, do meu ponto de vista, está muito longe de explicar adequadamente como aquilo deu nisso.
Aldo fala de “erros de avaliação, imobilismo e falta de comando”; “perda de combatividade e virtude”; “acreditar mais nos juízes e nos embates advocatícios do que na mobilização social”; “acomodado às sombras do poder nos anos de bonança, adoentado pelo burocratismo, comandado por direções fracas nas últimas gestões”; “perdendo a capacidade de formulação e enfraquecendo sua competência para ler corretamente as conjunturas e de deduzir ações eficazes a partir dessas leituras”.
Tudo pode ser verdade. Mas falta dizer que todos estes erros têm suas raízes no que se fez ou deixou de fazer, no que se acreditou ou deixou de acreditar, exatamente naqueles tempos gloriosos em que o PT foi presidido por Lula, Dirceu e Genoíno.
Para ser mais concreto: foi naqueles tempos gloriosos que se fizeram determinadas escolhas e apostas no Ministério Público, na Polícia Federal, no Supremo Tribunal Federal, na conciliação com o Capital, com os grandes meios de comunicação e com a centro-direita.
Aquilo deu nisso, que não se entende sem aquilo.
Porque é importante ter clara esta conexão?
Primeiro, para não cair na ilusão de achar que os problemas atuais do PT estariam principalmente na composição das direções e dos dirigentes. O problema principal é de orientação política.
Segundo, para não cair na ilusão de que será fácil superar os problemas atuais do PT. Não basta mudar os dirigentes, é preciso mudar a direção, ou seja, o rumo geral. E não é nada fácil, muito menos rápido, fazer isto.
Como não sou cristão-novo na crítica dessas posições, prefiro não cair em ilusões a respeito.
*
Apesar das críticas, Aldo reconhece que o PT adotou uma tática correta: a de manter a candidatura Lula.
Mas Aldo considera que a direção do PT “vem dando sinais, nas últimas semanas, de que está disposta a construir uma nova derrota”.
Esta possibilidade sempre existe. Mas o exemplo que Aldo dá foi escolhido sine cura.
Diz ele: “a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, vem se especializando em dar declarações politicamente inconvenientes. O seu maior feito nesta arte consistiu em emitir uma nota em defesa do mandato de Aécio Neves quando o STF o havia suspendido”.
Não votei na Gleisi, no recente congresso partidário. E achei um grave erro a citada nota sobre Aécio. Mas dizer que Gleisi vem se “especializando em dar declarações politicamente inconvenientes” é mais que um exagero, é simplesmente falso.
Uma curiosidade: Aldo começa sinalizando para a esquerda ao criticar Gleisi pela nota branda acerca de Aécio; mas seu propósito é converter à direita, pois termina reclamando de Gleisi ter dito que o nome de Ciro Gomes não passa no PT "nem com reza brava".
Segundo Aldo, uma “declaração desnecessária e inconveniente. Rendeu-lhe uma retribuição de Ciro dizendo que sente pena dela”.
Aldo talvez tenha esquecido como é lidar com um partido de massas. Ou talvez não tolere ouvir na boca de Gleisi um tipo de declaração muito comum na boca de alguém mais famoso, neste caso aplaudida como obra de um gênio no diálogo com as massas. 
Seja como for, os fatos são: frente a confusão criada a partir de uma declaração desmentida por Jaques Wagner, Gleisi teve que “torcer o bastão” para o lado oposto.
Quanto a Ciro falar que tem “pena”, atribuo a escolha da palavra a um traço de personalidade de que este senhor não consegue se desvencilhar nunca. Lamento (mas não tenho pena) que Aldo pareça não perceber isto.
Farpas a parte, Aldo diz que a declaração de Gleisi “derruba pontes num momento em que é preciso agregar as forças progressistas para enfrentar a direita, o conservadorismo e o neofascismo. Mas parece que Gleisi e outros dirigentes do PT estão dispostos a empurrar forças para o lado do inimigo”.
A acusação é, além de exagerada, duplamente falsa.
É exagerada porque não será a referência à “reza brava” (nem a alça do caixão) que derrubará pontes. Chumbo trocado não dói tanto assim.
É falsa, porque – ao contrário do que sugere Aldo – tanto Gleisi quanto a maior parte da direção do PT continuam insistindo em alianças amplas. Na minha opinião, erram no sentido oposto ao criticado por Aldo.
Vide a recente decisão do encontro estadual do PT de Alagoas, de aliança com Calheiros; ou setores do PT em Sergipe e Pernambuco, que seguem na defesa de alianças com candidatos de centro-direita.
É duplamente falsa, porque omite que é Ciro quem vem sistematicamente “bombardeando pontes”, não porque seja mais ou menos sectário e grosseiro, mas porque este bombardeiro é útil para a “saída” que ele defende para a crise nacional.
O erro cometido pelos petistas que acenam para Ciro não está em acenar, mas em não perceber qual a política real que Ciro defende. Até na perspectiva de fazer uma aliança com ele, é indispensável perceber o que ele de fato expressa.
Aldo diz que foram as declarações de Gleisi que fizeram as redes sociais serem “tomadas por uma onda de sectarismo de setores petistas contra Ciro”.
Não sei se Aldo teve acesso a alguma pesquisa a respeito. Eu não tive. Mas minha “experiência empírica” revela algo diferente: que a reação de Gleisi foi “fogo contra fogo”.
Graças a declaração de Gleisi, a base percebeu que a posição do Partido não era aquela expressa na declaração desmentida por Jaques Wagner. E com isso a “onda de sectarismo” não chegou a existir.
(Estou chamando de “onda de sectarismo” apenas para usar o termo de Aldo. Afinal, a reação da base do PT contra Ciro é no fundamental de auto-defesa. Ciro vem deliberadamente provocando isto, não por erro, mas porque isso é conveniente para a política que ele defende.)
Aldo diz ser “engraçado que estes setores se incomodam com Ciro e não se iraram com Michel Temer, repetido duas vezes como vice de Dilma”.
Eu não acho engraçado. Pois mesmo no caso dos que defenderam Temer no passo, acho que a postura atual faz parte do aprendizado: assim como o próprio Aldo mudou de posição ao longo destes anos, setores da base do partido também estão aprendendo.
O que há de “engraçado” é ver Aldo criticar as bases do PT por já antecipar uma “suposta traição de Ciro”, ao mesmo tempo em que diz que “não se pode negar a Ciro o direito de fazer o que Lula fez: tornar-se palatável às elites (Carta ao Povo Brasileiro) e encaminhar uma reforma da Previdência, entre outras coisas”.
Ops! Ciro tem o direito de fazer o que ele quiser. Assim como Aldo tem o direito de sofismar. Mas o que Ciro está tentando fazer não é o mesmo que Lula fez.
Pode ser parecido. Mas não creio ser preciso recordar Aldo acerca daquelas frases sobre “se a essência fosse igual a aparência”, ou da relação entre tragédia e farsa na história.
Lula e grande parte do PT (Aldo também? Não lembro.) acreditavam que tornar-se palatável às elites em 2002 possibilitaria avanços. E, em pequena escala e por curto tempo, esses avanços ocorreram.
Pergunto: alguém acredita que hoje tornar-se palatável às elites vai possibilitar algum avanço
E, caso não possibilite nenhum avanço, então a movimentação de Ciro só pode ter dois desfechos: ou a derrota (a direita tem melhores candidatos para implementar seu programa) ou traição (receber os votos e devolver nada).
A base, portanto, tem motivos de sobra para suspeitar.
Já Aldo está totalmente errado quando diz que “um eventual governo Ciro será conciliador como foram os governos petistas e como será um eventual novo governo do PT”.
Não discuto intenções. Apenas digo que nenhum novo governo resultado de 2018, não importando que o eleito seja de centro, direita ou esquerda, poderá ser conciliador.
Quem acredita que a crise brasileira vai ser superada pelo caminho da conciliação, prepara a derrota da esquerda.
Neste sentido, quem está “construindo uma nova derrota” é quem defende esta premissa.
Aldo diz que “quem não concorda com este caminho precisa, por coerência, votar em Guilherme Boulos”.
Precisa? Por coerência? Por qual motivo mesmo?
Aldo superestima Boulos e o PSOL. Afinal, gostemos ou não, nenhum deles tem physique du rôle para ganhar as eleições de 2018 e construir uma saída pela esquerda para a crise nacional.
Quem não concorda com o caminho proposto por Aldo tem como alternativa realista votar em Lula, votar no PT.
O “engraçado” é que, logo depois de apresentar Boulos como um radical, Aldo sugere que “Gleisi e os setores sectários do PT deveriam aprender com Boulos e Manuela: mesmo criticados inúmeras vezes por petistas, colocaram-se na linha de frente na solidariedade a Lula e na defesa do direito de ele ser candidato. Boulos, inclusive, convenceu a maior parte do PSol, partido recorrentemente atacado por petistas, a defender Lula”.
Novamente, Aldo sofisma. Claro que há sectarismo, aliás quem não seria um pouco sectário, sendo tão espancado?
Mas é óbvio para qualquer petista que, divergências políticas à parte, a postura de Manuela e Boulos sempre foi diferente da postura de Ciro.
Apesar disso, a postura que prevalece no PT é não conflitar com Ciro. Agora, não conflitar é uma coisa; submissão é outra. Falando claro: a "chapa esquentou" apenas quando se insinuou a possibilidade do PT apoiar Ciro.
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Aldo afirma que “a liderança política, além da coragem, precisa ter autocontrole, não deixar se dominar pelas emoções próprias descurados das consequências políticas que eles proporcionam. Dirigentes não podem jogar palavras ao vento sem pressupor que elas não geram consequências”.
Falando francamente, eu acho que isto parece conselho sacado de livro de auto-ajuda: palavras válidas para toda e qualquer época, todo e qualquer dirigente, de todo e qualquer partido. E, geralmente, palavras que se recomendam a terceiros, mas que não são adotadas por quem as profere.
A questão substantiva é outra: frente à movimentação em favor de uma aliança com Ciro Gomes, foi necessário reagir. E foi necessário reagir por dois motivos: o primeiro diz respeito ao conteúdo real da tática e do programa de Ciro; o segundo diz respeito ao famoso “plano B”.
Podemos gostar mais ou menos da forma como a reação foi feita. Mas o conteúdo dela é correto. Aldo não gosta do conteúdo. Mas grande parte de sua crítica diz respeito à forma.
Por exemplo: “parece que o PT não consegue se curar do vício da arrogância - mal adquirido quando o partido estava no poder. O PT quer a solidariedade de todos, mas se mostra pouco propenso a ser solidário com os outros; quer a compreensão de todos e se mostra pouco compreensivo com os erros e com os acertos dos outros. Sua arrogância o leva para o unilateralismo e para o isolamento. Pensa ser a encarnação de uma verdade superior e não aceita críticas. Vê-se portador de um destino manifesto e não consegue aceitar a ideia de que boa parte da crise que está aí se deve aos seus erros. Foge de sua responsabilidade”.
Não sei quando o PT esteve no “poder”. Deve ter sido em algum universo paralelo. No universo onde vivemos, o poder esteve na mão dos de sempre. E se o PT pode ser acusado de algo durante os anos em que esteve na presidência da República, foi de ter sido excessivamente tolerante e compreensivo com os poderes fáticos, os aliados de centro-direita, os meios de comunicação e o grande capital.
Não nego que parte dos problemas apontados por Aldo sejam reais. Mas tenho a impressão de que ele customizou a crítica feita por ele mesmo, em tempos passados, ao bolchevismo, aplicando esta crítica ao PT, sem fazer mediação alguma.
Sou minoria no PT desde 1995. Durante a maior parte da história do PT, militei em posições opostas às de Aldo. Evidentemente, não compartilho as posições do grupo atualmente majoritário no Diretório Nacional do PT. Mas discordo do aspecto essencial da crítica feita por Aldo Fornazieri neste texto, pois ao atacar os “dirigentes do partido e seus setores sectários”, o que realmente está em jogo é a famosa defesa do plano B.
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No seu estilo sizudo-porém-divertido, Aldo diz que “Gleisi e outros dirigentes vêm declarando que Lula sairá da prisão para a presidência da República. De três uma: ou se acredita que o Judiciário libertará Lula, algo inverossímil até o momento; ou se acredita que o PT tem força de mobilização capaz de libertá-lo, coisa que não está sendo vista; ou se acredita que Lula é um novo Daniel, que será salvo na cova dos leões pelo Anjo do Senhor. Admitindo-se a hipótese de que Lula seja liberto nesta semana pelo STF, haverá pela frente a enorme encrenca da viabilização legal de sua candidatura”.
Feita esta introdução, vem a acusação: a direção está estimulando a despolitização de uma militância ressentida que vai assumindo a tese igualmente despolitizada do "Lula ou nada".
(Nota: usar a expressão “militância ressentida” me faz recordar os defensores da ditadura, segundo os quais os familiares de presos, torturados, mortos e desaparecidos eram movidos pelo desejo de vingança. É uma retórica clássica dos que pretendem desqualificar as vítimas de uma injustiça. Aldo perde ao adotar tal termo.)
Depois da acusação, vem a conclusão: “da tática correta da manutenção da candidatura Lula, dirigentes petistas parecem estar construindo a estratégia da ilusão”.
Ops! Peço aos leitores que leiam de novo o texto de Fornazieri, reproduzido ao final, e ajudem a responder a seguinte questão: se é correta a tática da manutenção da candidatura Lula, então onde exatamente estaria o erro de lutar por manter a candidatura Lula?
Aldo diz que “a política real continua correndo e o PT bloqueia a sua própria tática, se ausenta do debate eleitoral e programático e não oferece uma perspectiva de poder. A sua perspectiva está encarcerada em Curitiba, exilada no silêncio e na dúvida”.
A política real está correndo? O PT bloqueia sua própria tática? Não oferece uma perspectiva de poder? Sua perspectiva está encarcerada?
Ou seja: se entendi direito, Aldo acha que a tática de “manutenção da candidatura Lulafoi correta, mas não é mais correta. Ou, pelo menos estaria se esgotando.
Para facilitar o diálogo, suponhamos que isto seja verdade. Qual a alternativa melhor?
Aldo mesmo responde parcialmente a questão, no último parágrafo de seu texto, onde pode-se ler o seguinte: “se Lula puder concorrer e vencer, o PT poderá ganhar tempo para se reconstituir, buscar um prumo, lembrando sempre que o poder torna arrogantes forças pouco  virtuosas, degradando-as. Se Lula não concorrer, o PT será submetido a poderosas forças centrífugas internas e externas e terá que enfrentar a sua própria verdade - algo que não fez até agora”.
Ou seja: a insistência do PT na candidatura Lula é totalmente lógica, se observada do ponto de vista dos interesses do PT. Inclusive do ponto de vista daqueles petistas que admitem discutir, mais a frente, outras possibilidades.
Seria isto “hegemonismo” ou “partidismo”? Estaria o PT colocando seus interesses acima dos interesses dos aliados e do país?
Poderia ser "hegemonismo", por exemplo, se o PT estivesse trabalhando para impedir que outras forças lançassem suas candidaturas. Mas não é este o caso. Aliás, como já foi dito antes, o PT deu várias demonstrações, nas últimas décadas, de sua disposição em fazer alianças e ceder a cabeça de chapa. Mas na situação atual, qual lógica eleitoral e política haveria em abrir mão de Lula e ceder a cabeça de chapa na disputa presidencial??
Poderia ser "partidismo", por exemplo, se o PT estivesse impedindo a construção de uma saída política democrática para a crise nacional. Mas tampouco é este o caso. Quem está bloqueando uma saída política democrática para a crise nacional é quem deseja impedir uma eleição democrática, é quem deseja impedir Lula de concorrer.
E também quem insiste, mesmo com a melhor das intenções, para que o PT abaixe a cabeça frente ao arbítrio. Aliás, abrir mão da candidatura Lula seria a maneira mais rápida de construir uma nova derrota. 

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PT: construindo uma nova derrota?
por Aldo Fornazieri
O PT vem colhendo derrotas sucessivas desde o início de 2015. Erros de avaliação, imobilismo e falta de comando foram os principais móveis dessa desditosa caminhada. A rigor, os sinais de perda de combatividade e virtude já se verificavam nas eleições de 2014. Na reta final do embate entre Dilma e Aécio foi a mobilização de setores da sociedade civil, da intelectualidade e de petistas afastados e desgostosos que garantiu a vitória ante a ameaça do triunfo do tucano.
Nas andanças pelas sendas espinhosas das derrotas o mais duro revés foi ter sido o PT apeado do poder pelo golpe do impeachment. A segunda vicissitude duríssima, que se equivale à primeira, consiste em ver Lula preso, com forte tendência de ficar fora do pleito de 2018. No meio desses dois tormentos, o devastador resultado das eleições municipais de 2016, que reduziu praticamente pela metade o número de prefeituras comandadas pelo partido. Se o PT não havia respondido de forma satisfatória ao longo de todo o processo do golpe-impeachment, o mesmo aconteceu durante via crucis judicial de Lula. A direção pareceu acreditar mais nos juízes e nos embates advocatícios do que na mobilização social.  
Acomodado às sombras do poder nos anos de bonança, adoentado pelo burocratismo, comandado por direções fracas nas últimas gestões, o PT foi perdendo o vigor da luta e as virtudes do combate dos tempos de ascensão, ao mesmo tempo em que foi perdendo a capacidade de formulação e enfraquecendo sua competência para ler corretamente as conjunturas e de deduzir ações eficazes a partir dessas leituras.
O PT dos últimos tempos está longe de ser o PT dos comandos de Lula, de José Dirceu e de José Genoino. Naqueles tempos, o partido tinha unidade de comando, mesmo sendo uma agremiação de formação plural. Já em 2014 Lula fez várias admoestações sobre a necessidade de o PT mudar, se renovar, se revigorar. A rigor, com a atual direção, ocorre o mesmo que ocorria durante o movimento pela derrubada de Dilma: os dirigentes são generais sem exército e os militantes são um exército sem generais.
A partir de uma tática correta - a de manter a candidatura Lula - a direção do PT vem dando sinais, nas últimas semanas, de que está disposta a construir uma nova derrota. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, vem se especializando em dar declarações politicamente inconvenientes. O seu maior feito nesta arte consistiu em emitir uma nota em defesa do mandato de Aécio Neves quando o STF o havia suspendido.
Agora, declarou que o nome de Ciro Gomes não passa no PT "nem com reza brava". Declaração desnecessária e inconveniente. Rendeu-lhe uma retribuição de Ciro dizendo que sente pena dela. Ademais, a declaração derruba pontes num momento em que é preciso agregar as forças progressistas para enfrentar a direita, o conservadorismo e o neofascismo. Mas parece que Gleisi e outros dirigentes do PT estão dispostos a empurrar forças para o lado do inimigo.
A partir da declaração de Gleisi as redes sociais foram tomadas por uma onda de sectarismo de setores petistas contra Ciro. Engraçado que estes setores se incomodam com Ciro e não se iraram com Michel Temer, repetido duas vezes como vice de Dilma. Agora, tomados pela síndrome da traição, adquirida com Temer e sua quadrilha, já antecipam uma suposta traição de Ciro. Não se pode negar a Ciro o direito de fazer o que Lula fez: tornar-se palatável às elites (Carta ao Povo Brasileiro) e encaminhar uma reforma da Previdência, entre outras coisas. Um eventual governo Ciro será conciliador como foram os governos petistas e como será um eventual novo governo do PT. Quem não concorda com este caminho precisa, por coerência, votar em Guilherme Boulos.
Gleisi e os setores sectários do PT deveriam aprender com Boulos e Manuela: mesmo criticados inúmeras vezes por petistas, colocaram-se na linha de frente na solidariedade a Lula e na defesa do direito de ele ser candidato. Boulos, inclusive, convenceu a maior parte do PSol, partido recorrentemente atacado por petistas, a defender Lula. A liderança política, além da coragem, precisa ter autocontrole, não deixar se dominar pelas emoções próprias descurados das consequências políticas que eles proporcionam. Dirigentes não podem jogar palavras ao vento sem pressupor que elas não geram consequências.
Parece que o PT não consegue se curar do vício da arrogância - mal adquirido quando o partido estava no poder. O PT quer a solidariedade de todos, mas se mostra pouco propenso a ser solidário com os outros; quer a compreensão de todos e se mostra pouco compreensivo com os erros e com os acertos dos outros. Sua arrogância o leva para o unilateralismo e para o isolamento. Pensa ser a encarnação de uma verdade superior e não aceita críticas. Vê-se portador de um destino manifesto e não consegue aceitar a ideia de que boa parte da crise que está aí se deve aos seus erros. Foge de sua responsabilidade.
Aqui é preciso registrar duas coisas: o PT tem um imenso capital político e social acumulado por mais de três décadas de lutas. Os dirigentes do partido e seus setores sectários não têm o direito de destruir esse capital, pois ele pertence ao povo. Da mesma forma em que foi erguido, pode ruir se não houver virtude e competência para comandá-lo. A virtude combativa e a boa fortuna podem estar se deslocando para outros pontos e encarnar-se em outros partidos e outros líderes. Sem as virtudes e a capacidade de comando de outrora, a direção do PT não consegue mais manter a fidelidade daqueles tempos. Em que pese toda a mobilização de vontades em torno de Lula, o fato é que a direção partidária suscita muitas desconfianças.
Da tática correta à estratégia da ilusão
Gleisi e outros dirigentes vêm declarando que Lula sairá da prisão para a presidência da República. De três uma: ou se acredita que o Judiciário libertará Lula, algo inverossímil até o momento; ou se acredita que o PT tem força de mobilização capaz de libertá-lo, coisa que não está sendo vista; ou se acredita que Lula é um novo Daniel, que será salvo na cova dos leões pelo Anjo do Senhor. Admitindo-se a hipótese de que Lula seja liberto nesta semana pelo STF, haverá pela frente a enorme encrenca da viabilização legal de sua candidatura.
Dizer que Lula sairá da cadeia para a presidência da República cria, na militância, a crença de uma vitória sagrada. Criaram-se crenças em torno do "não passarão", do "nenhum direito a menos" etc., e tudo  ruiu. A condução errada do partido vai gerando a despolitização de uma militância ressentida que vai assumindo a tese igualmente despolitizada do "Lula ou nada".
Assim, da tática correta da manutenção da candidatura Lula, dirigentes petistas parecem estar construindo a estratégia da ilusão. O que fazem com isso? Correm todos para o muro das lamentações e choram o infortúnio de Lula, fazem a exegese de seu sofrimento. Enquanto isso a política real continua correndo e o PT bloqueia a sua própria tática, se ausenta do debate eleitoral e programático e não oferece uma perspectiva de poder. A sua perspectiva está encarcerada em Curitiba, exilada no  silêncio e na dúvida.
É um direito de qualquer partido, que tenha condições para tal, querer exercer a hegemonia de um campo político determinado, dirigindo-o, agregando-o, ampliando-o e reforçando-o. Mas hegemonia implica concessões aos aliados, capacidade persuasiva de convencer esse campo pela justeza das propostas, da distribuição do poder e da capacidade e virtude de comando.
Hegemonia é diferente do hegemonismo. Este significa a tentativa de imposição pela força real ou pressuposta e/ou pela suposição de uma superioridade qualquer. Normalmente, o hegemonismo é exercido por forças políticas (e militares) que alcançaram o poder em seus patamares mais altos. Quando o hegemonismo se manifesta em um Império, Estado ou partido é um sinal de declínio e decadência. Tais forças não conseguem mais manter as lealdades pela evidência de sua força própria e pela justeza de suas propostas e de seu comando.
O mundo partidário brasileiro, ou o que resta dele, caminha para uma redefinição de campos e de linhas de força. À esquerda do PT, parte do que era hegemonizado por ele se desgarrou, como é o caso do PCdoB e, parte, busca constituir-se como uma força própria, que é o PSol. Outros parceiros do PT, o PSB e o PDT, também buscam caminhos próprios. Os principais aliados do PT em seus governos - o PMDB e partidos do centrão - foram para o golpe. Se Lula puder concorrer e vencer, o PT poderá ganhar tempo para se reconstituir, buscar um prumo, lembrando sempre que o poder torna arrogantes forças pouco  virtuosas, degradando-as. Se Lula não concorrer, o PT será submetido a poderosas forças centrífugas internas e externas e terá que enfrentar a sua própria verdade - algo que não fez até agora.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).



5 comentários:

  1. Aldo Fornazieri sempre foi um dos escolhidos e chamados a dar entrevistas a Globo tv por ser partidario de Boulos ((ex Folha e Vamos financiado de Lemann)e Manuela (useful idiot do sistema)2 esquerdas dissidentes controlados e e globalizados Aldo sempre fez criticas negativas e demasiado contra o PT Ja nao basta SERGIO MORO DO FBI PERSEGUIR LULA E QUERER DESTRUIR O PT ??QUE FALTA DE CARATER!!JA NAO BASTAM OS GOLPISTAS TEREM VENDIDO O BRASIL E TER DADO A CULPA NO PT E O PSDB QUERER DESTRUIR LULA?JA NAO BASTA O GOLPE POLITICAMENTE DIRECIONADO AO MAIOR PARTIDO POLITICO DO BRASIL?A HORA NAO è ESTA!AS MOBILIZACOES DEVEM SER PARA TIRAR O LULA E SALVAR O PT DAS GARRAS DOS GOLPISTAS ALIADOS AOS EUA!!O RESTO è PICARETAGEM DE DIREITA TRAVESTIDO DE MANUELA E BOULOS!

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  2. O Foda é que nos duzentos anos de Marx "uma certa esquerda asseptíca", esquece Lênin, Stálin, Mao Tse tung, Fidel, Ho shi Minh etc....

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  3. É lamentável que as forças de esquerda no Brasil, ainda não entenderam a sabedoria do velho Mao: "Os inimigos de nossos inimigos são nossos amigos".
    Neste momento temos que ter absoluta clareza de quais são nossos inimigos e nossos amigos. Traçar uma estratégia e definir uma tática para derrotar os inimigos do povo brasileiro. Estamos em Guerra.

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