sexta-feira, 5 de maio de 2017

Monica Valente, "conciliação" e "traição"

Acabo de participar do segundo debate entre as dez teses inscritas ao Congresso Nacional do PT.

O debate foi transmitido ao vivo pela página do Partido dos Trabalhadores.

A tese inscrita pela tendência petista "Construindo um novo Brasil" foi defendida pela companheira Monica Valente, secretária de relações internacionais do PT.

A íntegra da fala da companheira Monica Valente pode ser vista na página do PT nacional (www,pt.org.br).


Daquilo que ela falou, destaco o seguinte trecho, que espero ter conseguido transcrever corretamente: 

"Em 2002, quando o Lula ganha as eleições, ele formula, ele ganha as eleições a partir de um programa profundamente antineoliberal, de inserção soberana do Brasil na economia globalizada, e que teve, a partir desse programa, profundamente antineoliberal, e que depois se reproduziu em muitas outras eleições latinoamericanas, em termos de programa, e que permitiu aliança com José de Alencar,  um empresário brasileiro na vice, e um operário na presidência e não o contrário. É bom ressaltar isto, porque isto é inédito nos países latinoamericanos. Porque eu quero dizer isto? Muita gente vaiou o José de Alencar na convenção do PT e depois foi obrigado a aplaudir quando o José de Alencar fazia um combate cotidiano à politica de juros do Banco Central. 
Então, não dá para a gente substituir a discussão do programa e a formulação das alianças antecipadamente. Nós temos que construir um programa. Eu concordo com o conteúdo. Não temos nenhuma divergência com as reformas estruturais a que o Valter se referiu
O problema é construir a correlação de forças necessária, antes, durante e depois para garantir esse programa e essa aliança mais à esquerda que está sendo colocada. Este é o debate. Não é um debate principista, se faz aliança à esquerda ou menos a esquerda, ou se teve ou não conciliação de classes.
E aliás gente, pelo amor de Deus, um governo que fez a PEC das domésticas, as cotas raciais, a política de valorização do salário mínimo, não pode ser chamado de um governo de conciliação. Dizer que um governo que fez a PEC das domésticas e implantou as cotas raciais é um governo de conciliação é não compreender o papel da escravidão na constituição e no desenvolvimento do capitalismo brasileiro. 
Então, a gente pode ter divergência na avaliação concreta se tinha ou não correlação de forças para implementar estas medidas. Agora eu não posso admitir que nossos governos foram governos de conciliação de classe. Para mim, dizer que foram governos de conciliação é dizer que foram governos de traição de classe. Eu não ficaria num partido que teve governos que traíram a classe trabalhadora e que fizeram traição de classe.
E, por último, eu acho que construir a correlação de forças necessária para sustentar as reformas estruturais e um governo mais à esquerda, para isto não basta fazer propaganda do socialismo. Fazer a propaganda do socialismo é insuficiente. Nós temos que, através da luta concreta de enfrentamento do golpe, de disputa de hegemonia na sociedade, e de propostas de governo para hoje, fazer propostas que dialoguem com o socialismo democrático que o PT defendeu e defende desde o seu nascimento". 

Destaco este trecho da fala da companheira Monica, porque ele ajuda a entender uma das principais divergências existentes entre as tendências do PT: houve ou não conciliação de classe?

Uma questão preliminar: a companheira Monica acha que conciliação é igual a traição. É direito dela interpretar assim. E realmente existem militantes de ultra-esquerda que acham que todo conciliador é um traidor.

Mas há um grande número de militantes de esquerda que criticam a "estratégia de conciliação", mas não acreditam que conciliação seja igual a traição.

Assim, para que o debate não vire um bate-boca entre surdos, as partes precisariam começar reconhecendo que não estão de acordo quanto ao significado da palavra. 

E quando não se está de acordo com o significado de uma palavra, um bom caminho é tentar descrever os fatos que designamos com a polêmica palavra.

Para simplificar, vou adotar o mesmo caminho que Monica adotou. 

Segundo ela, em 2002 Lula "ganha as eleições a partir de um programa profundamente antineoliberal", programa "que permitiu aliança com José de Alencar,  um empresário brasileiro na vice", sendo que "muita gente vaiou o José de Alencar na convenção do PT e depois foi obrigado a aplaudir quando o José de Alencar fazia um combate cotidiano à politica de juros do Banco Central".

Isto posto, pergunto: quem escolheu o presidente do Banco Central? Foi Lula, certo? Portanto, a política do Banco Central era a política do governo Lula. Logo, a política de juros altos era uma política do governo Lula. E quem se beneficiava desta política? Especialmente o grande capital financeiro. O grande capital financeiro é um dos pilares do neoliberalismo. Logo, a política monetária do governo Lula beneficiou objetivamente o capital financeiro. Portanto, neste aspecto, deu prosseguimento à uma política neoliberal.

Qual o nome que nós damos para esta política, em que um governo encabeçado por um petista nomeia para presidente do Banco Central um banqueiro que pratica uma política monetária que beneficia o grande capital financeiro?

O nome que nós damos para isto é conciliação de classe.

Portanto, os que vaiaram José de Alencar o aplaudiram posteriormente simplesmente porque, no intervalo entre as vaias e os aplausos, tivemos a "Carta ao povo brasileiro" e a política monetária implementada pela dupla Antonio Pallocci e Henrique Meirelles.

Do nosso ponto de vista, a aliança com Alencar foi um ato de conciliação. E a aliança com Meirelles foi uma conciliação ainda maior. Outros exemplos poderiam ser dados, no âmbito da comunicação, da reforma política, da reforma agrária etc.


O fato dos governos Lula e Dilma terem praticado este tipo de conciliação não significa que eles não tenham feito nada de positivo. Só pensa assim, quem acredita que toda conciliação é igual a traição. Já os que pensam que conciliação não é igual a traição, reconhecem que os governos Lula e Dilma fizeram coisas positivas, apesar da conciliação de classe. E poderiam ter feito muito mais, se tivessem feito menos conciliação.

Aliás, todos sabem a conta: a política de juros e o serviço da dívida pública consumiram uma parcela imensa do orçamento brasileiro, várias vezes maior do que a parcela reservada para financiar importantes políticas públicas que nos enchem de orgulho. 

O próprio Lula, por sinal, assume que isto aconteceu, quando afirma que os pobres melhoraram de vida e os ricos lucraram como nunca. Que nome nós damos a isto? Conciliação.

Acontece que um governo eleito, atuando nas condições históricas de 2002, tinha mesmo que fazer alguma conciliação de classe. 

Não havia correlação de forças para expropriar os capitalistas? Então a saída era conviver com eles. E esta convivência implica em algum tipo de conciliação.

Portanto, nós não criticamos todo e qualquer ato de conciliação. O que nós criticamos é a estratégia de conciliação, estratégia que levou a maioria do Partido a não se preparar para aquilo que, mais cedo ou mais tarde, aconteceria.

Mais cedo ou mais tarde, o grande capital -- que não tem nenhum interesse em conciliar conosco -- tomaria medidas para tentar restabelecer o status quo. Foi o que eles fizeram, com o golpe. Mas uma parte do nosso Partido e todo o nosso governo, por terem adotado uma estratégia da conciliação, não se prepararam para isto.

Não ter se preparado para este momento foi uma traição? A resposta é: não foi. Afinal, quem acreditava na estratégia da conciliação certamente foi traído, mas não traiu. 

Quem acreditava que fazendo um governo moderado, moderaria as classes dominantes; quem acreditava que a direita respeitaria o resultado das urnas e não daria mais golpes; quem acreditava no "republicanismo"; quem achava que estava ocorrendo uma "revolução democrática" no Brasil; quem confiava no Delcídio Amaral, no Vaccarezza e noutros deste tipo, não traiu. Foi traído.

Por qual motivo a companheira Monica Valente e uma parte do grupo majoritário no PT têm tanta dificuldade de aceitar este raciocínio que fazemos?

Acho que há vários motivos. 

O principal deles é uma dificuldade imensa em formular uma estratégia alternativa a que foi implementada entre 1995 e 2017. 

Se admitirmos que a estratégia adotada naquele período foi estruturada em torno da conciliação de classe; e se admitirmos que quando um não quer, dois não conciliam; e se admitirmos que o grande capital e a direita não querem conciliar; o que nos resta é formular uma nova estratégia. 

Mas o grupo majoritário tem dificuldade de formular esta nova estratégia e, para contornar o impasse teórico e político, prefere não enfrentar o problema.

Um exemplo desta dificuldade está no raciocínio que Monica desenvolveu, acima transcrito, acerca da relação entre socialismo, reformas estruturais, programa e alianças.

Mas como a realidade recoloca o problema todo santo dia, e como nós da esquerda petista insistimos no assunto, é preciso fazer e dizer algo. E como é mais fácil polemizar conosco do que enfrentar a dura realidade, Monica e um aparte da CNB adotam o caminho de desqualificar a crítica que fazemos à estratégia da conciliação.

Seríamos incoerentes, ao continuar num partido cujo governo (supostamente) acusaríamos de "traição". E seríamos incoerentes, pois criticamos o Alencar, que criticava a política de juros.

Como espero ter demonstrado, a primeira acusação deriva de uma interpretação equivocada. Já a segunda acusação só é convincente para quem sofre de amnésia seletiva e esqueceu do Meirelles, do agronegócio, dos subsídios e isenções, da publicidade para os grandes meios, da repressão às rádios comunitárias etc etc etc.

Isto para não falar do voto em golpistas nas mesas diretoras. Outro exemplo da "estratégia de conciliação", agora pós-golpe. Assunto sobre o qual Monica preferiu não falar absolutamente nada, apesar de provocada algumas vezes a fazê-lo. 





ps. duas companheiras me chamaram a atenção para outra passagem do debate, em que a companheira Monica Valente afirma o seguinte: “E pra terminar, eu queria pedir o voto de todos os petistas, na nossa querida companheira Gleisi, que nós estamos lançando como candidata a presidenta do Partido dos Trabalhadores. Pela primeira vez, uma mulher com a combatividade da nossa querida Gleisi, vai, tá oferecendo seu nome pra presidir o PT parar o próximo período, e eu queria convidar todos os meus companheiros homens aqui representantes das tendências a vir junto com a gente apoiar a Gleici presidenta”

De fato, é a primeira vez que a CNB lança uma companheira. Mas em 2005 a companheira Maria do Rosário (na época do Movimento PT e hoje da Avante) disputou a presidência nacional do PT. E em 2009 a companheira Iriny Lopes, da Articulação de Esquerda, também disputou a presidência nacional do Partido.

Portanto, como observaram as companheiras, não é a primeira vez que uma companheira combativa é candidata a presidenta nacional do PT.






















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