sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Texto em construção (parte 2)

(parte 2 do texto em construção)

Cenário internacional

Vejamos então quais as principais características do atual cenário internacional: as crises,as guerras e a instabilidade generalizada.

Tais características decorrem do predomínio avassalador do capitalismo, do domínio do capital oligopolista e financeiro, do decorrente aguçamento dos conflitos intercapitalistas e dodeclínio da potência hegemônica.

As políticas neoliberais, hegemônicas em âmbito mundial desde os anos 1990, resultaram numa ampliação da polarização social e política, bem como resultaram no aprofundamento das agressões imperialistas contra a soberania nacional dos países economicamente mais frágeis.

As políticas neoliberais e as ações imperialistas impulsionadas pelo consórcio formado pelos Estados Unidos, União Europeia e Japão geram alternativas e reações de diferentes tipos e conteúdos.

É o caso dos BRICS, com destaque para a China, Rússia e – durante os governos Lula e Dilma – também o Brasil.

É o caso dos chamados governos progressistas e de esquerda na América Latina.

É o caso das lutas políticas e sociais impulsionadas por forças de esquerda que atuam na Europa, África, Ásia e Estados Unidos.

A resposta às políticas encabeçadas pelos EUA também pode assumir formas historicamente reacionárias. É o caso do fundamentalismo terrorista, mesmo onde constitui uma resposta ao terrorismo de Estado praticado pelos Estados Unidos e seus aliados maiores e menores, entre os quais Israel e Arábia Saudita.

Outro exemplo de alternativa reacionária é o populismo de direita expresso por Trump e Le Penn, pelas forças fascistas e neonazistas na Ucrânia, Grécia e em diversos países do Leste Europeu, pelos partidos ultraconservadores cuja força eleitoral cresce em todos os países da Europa Ocidental, inclusive nos países nórdicos conhecidos por seu estado de bem-estar social.

Tanto o neoliberalismo quanto o populismo de direita conduzem, por diferentes caminhos, ao agravamento da instabilidade, das crises e das guerras.

O “protecionismo” e o “globalismo” de grande potência são diferentes formas que o imperialismo pode assumir e ambas já conduziram o mundo, ao longo do século passado e deste, a inúmeras guerras. Exemplo disto são os grandes tratados que estavam sendo negociados durante o governo Obama e que foram questionados por Trump durante a campanha eleitoral: tanto os movimentos para viabilizá-los, quando a desistência contém um forte potencial desestabilizador.

Hoje, como já aconteceu no passado, a manutenção da paz e da democracia, as perspectivas de desenvolvimento e até mesmo a sobrevivência da humanidade dependerão fundamentalmente da capacidade de reação da classe trabalhadora, dos setores populares, das forças progressistas, democráticas e de esquerda.

As principais características do cenário internacional -- as crisesas guerras e a instabilidade generalizada -– só podem ser compreendidas se levarmos em consideração um conjunto de aspectos e variáveis, surgidos em diferentes momentos da história recente, mas que hoje conjugam-se na composição do cenário internacional. Citamos:

a) a hegemonia do capitalismo: nunca como antes na história, os capitalistas e o capitalismo como modo de produção foi tão hegemônico quanto hoje;

b) a natureza do capitalismo contemporâneo: com a financeirização e a especulação, há uma contradição e dissociação cada vez maior entre os circuitos da produção material e os circuitos da valorização do capital. Sendo importante lembrar que, depois de 2008, os “bancos grandes demais para quebrar” se tornaram ainda maiores, produto da inexorável tendência à concentração e centralização do capital;

c) a crise do capitalismo: desde os anos 1970, convivem níveis de crescimento muito baixos, a ocorrência em espaços de tempo cada vez menos de crises de variados tipos e profundidade, desembocando em 2008 em um colapso geral que recorda o de 1929, cujas causas não foram superadas, pelo contrário;

d) o declínio da potência hegemônica: embora seja a principal potência militar e emissora da moeda de maior trânsito internacional, os Estados Unidos perderam peso econômico, vivem uma crise interna de grandes proporções e tem sua hegemonia crescentemente contestada, motivos que tornam possível falar em declínio relativo;  

e) a ascensão de outros polos de poder: ao contrário do unilateralismo pretendido pelos EUA após o fim da URSS, o mundo atual é crescentemente multipolar, com destaque para os BRICS;

f) a disputa entre diferentes vias de desenvolvimento capitalista: diferente do período 1945-1991, em que os conflitos internacionais estavam fortemente atravessados pela luta entre capitalismo e socialismo, hoje o conflito dominante se dá entre diferentes maneiras de organizar o capitalismo, cabendo às alternativas socialistas uma pequena influência;

g) a formação de blocos e acordos: como o cenário internacional é profundamente diferente daquele prevalecente no imediato pós-Segunda Guerra, as instituições multilaterais como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e mesmo a Organização Mundial do Comércio vão perdendo peso e importância frente a uma multiplicidade de acordos e tratados, que -– como ocorreu antes da Primeira e da Segunda guerras mundiais – são sintomas de crise, não de ordem;  

h) a defensiva estratégica da classe trabalhadora: aumento das taxas de exploração, redução na remuneração, piora nas condições de trabalho, reversão de direitos sociais, estreitamento das liberdades democráticas, enfraquecimento dos sindicatos e partidos, perda de espaços institucionais, fortalecimento de valores individualistas, ampliação dos conflitos entre os diferentes segmentos de trabalhadores e recomposição da própria classe trabalhadora.

Como o mundo hoje é mais capitalista que nunca, é fundamental compreender o que está ocorrendo hoje com este modo de produção baseado na exploração do trabalho assalariado.

O cerne da questão está no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.

Quanto mais se eleva a produtividade do trabalho e, portanto, a extração de mais-valia relativa, mais o capitalismo se enreda em suas variadas tendências estruturais: decréscimo de sua taxa média de lucro; concentração, centralização e exportação de capitais, tanto na forma financeira quanto na forma de transferência de plantas industriais, promovendo crescente globalização do capitalismo; redução da participação de trabalho vivo no processo produtivo; crescente desemprego estrutural e pauperização das massas trabalhadoras das sociedades capitalistas, tanto desenvolvidas quanto periféricas avassaladas ao capitalismo central; acentuação da natureza de classe do Estado; incompatibilidade crescente entre capitalismo, bem-estar, democracia e soberania nacional.

Essas tendências foram acirradas a partir de 2008, com as crises financeiras e econômicas globais que tiveram como epicentros os Estados Unidos, a Europa e o Japão.

A propagação dessa crise afeta, principalmente, os países que viram seus parques industriais serem desmontados por políticas de “relocalização” de unidades fabris, e/ou concentração na produção de commodities minerais e agrícolas, e/ou disseminação do rentismo como forma de reprodução do capital. Características comuns tanto aos países capitalistas desenvolvidos, quanto àqueles que se subordinaram ao “Consenso de Washington”.

Esse conjunto de processos leva à acumulação, em extratos diminutos da população, da maior parte das riquezas real e fictícia produzidas pelas corporações e sociedades capitalistas. Noutras palavras, uma burguesia mundial cada vez mais rica e cada vez menos numerosa.

Ao mesmo tempo, aquele conjunto de processos faz com que encolha a capacidade social de consumo, ao serem criadas massas cada vez maiores de trabalhadores deserdados e/ou mal remunerados.

Nos Estados Unidos, Europa e Japão, a questão do desemprego, inclusive de trabalhadores qualificados –até então considerados como parte de uma suposta “classe média”—tornou-se um dos aspectos mais grotescos da crise, em contraste com a riqueza acumulada por 1% a 2% da população.

Frente a este quadro que recorda o que ocorreu no princípio do século XX, alguns acreditam que a solução poderia vir da adoção de políticas semelhantes as que foram implementadas, nos anos 1930, durante o New Deal de Roosevel.

Noutras palavras, alguns acreditam que a solução estrutural para a crise atual poderia resultar da ampliação dos investimentos públicos, que resultariam na melhoria das condições sociais dos milhões de desempregados e “excluídos”, produzindo um efeito “dinamizador” sobre a economia e a geração de empregos, contribuindo assim para superar a crise.

Evidentemente somos a favor de ampliar os investimentos públicos. Mas tomado isoladamente, isto é insuficiente para enfrentar a crise atual. Aliás, cabe lembrar que nos Estados  Unidos dos anos 1930:

a) para ampliar os investimentos públicos, foi necessário enfrentar a oposição dos capitalistas, que tudo fizeram para impedir que as ações do Estado tivessem um efeito positivo real na dinamização da produção e do emprego;

b) apenas a participação na Segunda Guerra Mundial retirou a economia capitalista dos EUA da crise iniciada em 1929.

Talvez nada explicite melhor o caráter destrutivo do capitalismo: a guerra -- seja a produção bélica, seja a destruição das riquezas até então acumuladas, seja a reconstrução posterior, seja a nova correlação de forças internacional, seja a Guerra Fria e as guerras quentes ocorridas depois da Segunda -- jogou um papel fundamental na criação das condições para um novo ciclo de crescimento econômico capitalista, que se estendeu até o final dos anos 1960, início dos anos 1970.

O complexo industrial-militar –- absolutamente irracional do ponto de vista dos interesses da sociedade como um todo -- é extremamente “eficiente” para os fins da acumulação de capitais.

Mas a indústria bélica também experimenta –- em escala ainda mais acelerada -- as mesmas transformações científicas e tecnológicas do conjunto da “indústria produtiva”. Aliás, a indústria bélica é uma das que mais reduz o uso de força de trabalho em seu processo produtivo. Ou seja, é uma das indústrias que mais tende a elevar a produtividade do trabalho e a extração da mais-valia relativa. E, portanto, é uma das indústrias que tende a níveis muito acelerados de descarte do trabalho vivo, agravando o desemprego, os distúrbios sociais e econômicos típicos do capitalismo.

Uma das perguntas que se pode fazer é porque quais motivos os capitalistas e o modo de produção capitalista, mesmo quando estão em crise, não adota “natural” e “espontaneamente” políticas de emprego e renda, que poderiam resultar em ampliação do consumo e da produção, reestabelecendo assim os ciclos cuja interrupção constitui a causa e o efeito da crise.  

A resposta é simples: o grande capital, especialmente aquele situado nas altas esferas financeiras, prefere produzir mais-valia sem passar pelo processo de  produção material. Dito de outra forma, preferem transformar o conjunto da mais-valia anterior em mais-valia ampliada, sem “desperdiçar” nada disto em salários diretos e indiretos.

Talvez esta seja uma das maiores provas do caráter anti-social dos capitalistas e do capitalismo: os “investimentos públicos”, especialmente aqueles que voltados a resolver “problemas sociais”, implicam numa certa distribuição da mais-valia fora do circuito real do capital.

Sendo este um dos motivos pelos quais clama no deserto aqueles que pretendem civilizar e humanizar o capitalismo e os capitalistas, tentando convencê-lo de que ele poderia lucrar mais se todos vivessem melhor. Claro que o keynesianismo pode converter-se novamente em uma opção para setores do capital, mas isto só acontece quando a classe trabalhadora coloca sobre a mesa uma alternativa mais radical, que converte – aos olhos da burguesia -- a intervenção do Estado na economia em “mal menor” que protege o capitalismo de seus próprios demônios.

Isto ajuda a entender por quais motivos a especulação financeira e o saqueio direto de riquezas, como é o caso dos recursos naturais, assumem crescente importância, a partir dos anos 1970. O capitalismo maduro assume formas que lembram a violência brutal da acumulação primitiva de sua infância. Isto vai das patentes, licenças e propriedade intelectual que recorda os monopólios contra os quais se levantou a burguesia nascente, passa por uma divisão internacional de trabalho de tipo colonial, por uma destruição implacável da natureza que rememora o ocorrido em países onde se instalaram os latifúndios escravistas, tudo isto se combinando com as formas mais extremadas de extração da mais-valia relativa, com novidades tecnológicas como as nanotecnologias e a biotecnologia.

Também por isto, o complexo industrial-militar dos Estados Unidos e da Europa Ocidental continuam sendo desenvolvidos como pilares estratégicos. Isto não só para a defesa de seus territórios e sociedades, mas principalmente para a subordinação de outros territórios e sociedades.

Estados Unidos e Europa Ocidental necessitam de recursos minerais e energéticos de outros países, assim como de mercados, e áreas de contenção ou de ataque. Não por acaso os Estados Unidos têm mais de 1000 bases militares em todo o mundo, e há muito interferem militarmente em toda parte onde seus interesses estejam, real ou imaginariamente, em perigo.

As guerras de Reagan, nos anos 1980, disseminaram-se pela América Central, África e Oriente Médio. As guerras de Bush, nos anos 2000, afetaram ainda mais os já conflagrados Afeganistão e Iraque, devastando grandes regiões. As guerras de Clinton causaram imensas destruições no sul da Europa (antiga Iugoslávia). As guerras de Obama, realizadas por drones, e as de ingleses e franceses, com o emprego de bombardeiros, na África do Norte e no Oriente Médio, destruíram grande parte da Líbia e da Síria, e são responsáveis pelas provocações contra a Rússia, que levaram aos conflitos na Ucrânia, assim como pelo evidente “cerco” de contenção à China, no arco que vai do Japão às Ilhas Spratley. E antes mesmo de tomar posse, Trump inicia uma escalada verbal com a China.

Os Estados Unidos têm sido o principal agente de geração e difusão do chamado “terror jihadista” por todo o mundo. Eles financiaram e armaram a Al-Qaeda. Depois, financiaram e armaram outros grupos do mesmo tipo para, hipoteticamente, enfraquecer a Al Qaeda, e/ou para derrubar governos que não lhes eram simpáticos, a exemplo da Síria.

O resultado mais dramático dessa intervenção imperial nos assuntos internos de outros países, em especial no Oriente Médio, foi o surgimento do Estado Islâmico e a disseminação de grupos terroristas islâmicos por todo o norte da África, por vários países da Ásia, e no próprio interior dos Estados Unidos e de países europeus. Muitos deles são apoiados, financeira e militarmente, por governos aliados dos Estados Unidos, a exemplo da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Turquia.

Os Estados Unidos, depois do fracasso da guerra do Vietnã, e dos desastres de sua intervenção direta no Iraque e no Afeganistão, se esforçam para fazer com que “suas guerras” sejam manejadas por controle remoto e lutadas por outros, inclusive mercenários, conforme vem sendo feito por Obama.

O resultado tem sido o armamento contínuo de Estados e grupos que utilizam o terrorismo como uma das principais formas de ação e que, na prática, ao invés de “disseminarem a democracia”, procuram instaurar regimes absolutistas, despóticos e sanguinários, a exemplo do ISIS.

Em tais condições, não é qualquer ponto fora da curva que tenha se originado uma dolorosa e mortífera onda de refugiados, oriundos principalmente da África, Oriente Médio e Ásia, que tenham se multiplicado grupos terroristas por toda parte, e que tenham surgido ou ressurgido correntes políticas semelhantes ao fascismo e ao nazismo, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

O caso dos Estados Unidos

Em 2008 a crise econômica teve como epicentro os Estados Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu epicentro lá. Crise que tem na incerteza um componente adicional, uma vez que há uma grande dose de imprevisibilidade no comportamento do futuro presidente dos EUA.

A eleição de Donald Trump nas recentes eleições para a presidência dos Estados Unidos é um símbolo dos tempos em que vivemos, no cenário internacional. Quem quer que preste atenção séria às entrevistas e aos discursos de Trump e os compare ao que diziam os populistas de direita na Alemanha e na Itália dos anos 1920 e 1930, encontrará muitas semelhanças. Como também encontrará muita semelhança entre as massas populares alemãs daquela época, desempregadas e desesperadas, que se deixaram envolver pelo hitlerismo, do mesmo modo que os desempregados e desesperados brancos norte-americanos, assim como parcelas dos setores médios e inclusive de migrantes legalizados, estão sendo envolvidos pelo “trumpismo”, ou pelo Tea Party norte-americano.

Estamos vivendo um momento internacional que possui semelhanças inquietantes com o que ocorreu na crise dos anos 1930 e, de forma mais ampla, no período entre guerras (1914-1945).

Naquela época, sob hegemonia do liberalismo, ocorreu uma imensa crise econômica e social, política e militar. Por diversos motivos, as revoluções socialistas não foram vitoriosas, senão na Rússia de 1917. De conjunto, tanto a social-democracia quanto o comunismo fracassaram em transformar a crise em ponto de partida para a superação do capitalismo. Seja para superar a crise, seja para debelar a ameaça de uma revolução social, parcelas crescentes do grande capital e da direita tradicional foram aderindo às teses do populismo de direita. Esta foi uma das causas da ascensão do fascismo na Itália, do franquismo na Espanha e do nazismo na Alemanha. O populismo de direita não era liberal: pelo contrário, fez crescer o papel do Estado, do planejamento e do protecionismo nacionalista. Mas o populismo de direita, na medida que estava a frente de grandes potências capitalistas, era também expansionista, imperialista, racista, anti-democrático, anti-socialista e anti-comunista. O resultado disto foi a Segunda Guerra Mundial.

Talvez como nunca na história recente, tivesse sido tão necessária a existência de uma alternativa partidária e eleitoral da esquerda nos Estados Unidos. Benny Sanders tinha mais chances de disputar o voto dos setores populares que optaram por Trump, entre outros motivos para rejeitar a candidata “democrata” Hillary Clinton, inicialmente a preferida de Wall Street, cúmplice das políticas neoliberais adotadas pelos governos Clinton e Obama, defensora acérrima do intervencionismo militar dos Estados Unidos.

Olhando em perspectiva histórica, a principal surpresa nas eleições americanas foi a vitalidade demonstrada pela pré- candidatura Bernie Sanders, que procurou conquistar os desempregados e desesperados americanos para outra perspectiva. Que isso tenha emergido nos Estados Unidos é algo alentador. No entanto, é preciso reconhecer que ainda falta um longo caminho para que os movimentos sociais e políticos de esquerda daquele país se desenvolvam a ponto de impor outra política, capaz de evitar aventuras militaristas.

Os cenários internacionais

Só as forças de esquerda, populares e democráticas têm condições de deter a contraofensiva reacionária que empurra o mundo para crises cada vez maiores e nos ameaça com guerras cada vez mais destrutivas.

Mas para isto será preciso que a classe trabalhadora e seus representantes políticos percam todas as ilusões em que será possível defender o bem-estar social, defender as liberdades democráticas, defender a soberania nacional e defender uma nova ordem mundial, sem impor uma derrota profunda às forças capitalistas e a seus representantes políticos, sem oferecer uma alternativa nova e radical para o mundo em que vivemos.

Nunca o mundo foi tão capitalista quanto é hoje. E é exatamente por isto que nunca o mundo foi tão desigual, conservador e violento. Devemos tirar todas as consequências desta verdade simples: é preciso recolocar em debate uma alternativa global ao sistema dominante no mundo. Até para evitar o mal maior, até para conseguir as mínimas reformas, é preciso lutar por transformações efetivas no modo de produzir e distribuir as riquezas em nossa sociedade, na maneira como as pessoas se relacionam entre si e com a natureza.

A crise que o capitalismo enfrenta, desde 2008, pode ser enfrentada de duas maneiras fundamentalmente diferentes:

a) ou rebaixando ainda mais o nível de vida dos trabalhadores, causando catástrofes sociais e ambientais, jogando para a direita o ambiente ideológico e político, empurrando o mundo para a guerra;

b) ou transformando as riquezas acumuladas nas mãos do capital oligopolista e financeiro em investimento público, em ampliação do bem-estar e recuperação do meio-ambiente, desmontando s arsenais militares e girando para a esquerda o ambiente ideológico e político.

Não existe caminho do meio, num momento de crise como o que vivemos. As políticas intermediárias são possíveis quando tanto os de baixo quanto os de cima tem mais paciência que medo, mas principalmente quando há crescimento econômico que torne factível redistribuir a renda futura. Quando não há crescimento econômico, quando há decrescimento, se estabelece uma luta pela expropriação, o medo toma conta e se fecham os “caminhos do meio”.

Tampouco existe reforma pelo alto para a situação que estamos vivendo. As forças que causam a crise e que se beneficiam dela são as mesmas que dominam o poder político, econômico, militar e ideológico nos Estados Unidos. É por isto que as ações práticas do governo dos EUA ampliam a crise, seja quando estimulavam o globalismo, seja agora em que parece predominar o protecionismo. E em ambas vertentes, inviabilizam as liberdades democráticas: tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a democracia liberal abrem caminho, tanto na forma quanto no conteúdo, para regimes cada vez mais autoritários. A globalização hegemonizada pelo capital financeiro não é compatível nem mesmo com os níveis de democracia existentes antes da crise dos 1970.

Os Estados Unidos, ainda a maior potência do mundo mas que está vendo sua hegemonia declinar, não têm unidade e/ou capacidade para construir uma alternativa à crise que vivemos. Mas ainda tem os meios para tentar bloquear ou retardar a mudança, ou pelo menos matar e morrer tentando.

Lembremos mais uma vez que aquele país só superou a crise dos 1930 graças à Segunda Guerra Mundial. E quando a Segunda Guerra terminou, o complexo industrial-militar continuou apostando em novas guerras e na corrida armamentista. A política da era Bush pai-Clinton-Bush filho-Obama não foi, portanto, algo inesperado ou surpreendente.

É por isso, também, que os Estados Unidos operam de maneira agressiva contra os BRICS, especialmente contra a China e a Rússia. O governo russo deu vários sinais de que considerava Hillary Clinton mais perigosa. Mas isto não quer dizer que a vitória de Trump elimine a variável guerra do cenário mundial: seus atritos com a China, antes mesmo de tomar posse, confirmam este risco.

A dinâmica da crise mundial é mais poderosa e tende a empurrar os EUA em direção à guerra. Quem pode evitar este desfecho, em primeiro lugar, é o povo dos Estados Unidos.

O movimento sindical, a intelectualidade de esquerda, os setores democráticos daquele país estão chamados a agir de maneira autônoma frente aos dois grandes partidos do Capital, o Republicano e o Democrata.

Quem pode evitar a guerra e construir outra ordem mundial é, em segundo lugar, a classe trabalhadora e os povos das demais regiões do mundo. Neste particular, o povo da América Latina e Caribe já deu, continua dando e ainda deve dar uma grande contribuição.

A situação da América Latina e Caribe

A América Latina e o Caribe foram vítimas, entre os anos 1960 e 1990, de governos ditatoriais e neoliberais, que aprofundaram as piores características da história de cada um dos países da região: a dependência externa, a falta de democracia e a desigualdade social.

A partir de 1998, teve início um ciclo de governos progressistas e de esquerda que, malgrado suas debilidades e diferenças, apontou num sentido oposto: ampliação do bem-estar e da igualdade social, ampliação das liberdades democráticas, soberania nacional e integração regional.

A partir da crise de 2008 e seus efeitos, mais a ação do governo dos Estados Unidos e da oposição de direita, somada aos erros e as limitações das experiências “progressistas e de esquerda”, abriu uma fase de contraofensiva reacionária que vem derrotando os governos progressistas e de esquerda na região e colocando na defensiva as forças sociais e partidárias vinculadas aos trabalhadores.

Aonde a direita voltou ao governo, assiste-se não apenas a um retrocesso social, mas também a um retrocesso econômico e político, bem como a um giro na política externa, que volta a ser subalterna aos interesses dos EUA.

A recente eleição nicaraguense demonstrou que não é inevitável a derrota dos governos progressistas e de esquerda. Porém, a difícil situação da Venezuela e a derrota sofrida no Brasil e na Argentina criaram um novo cenário estratégico. O fato de vários governos progressistas existirem e se apoiarem uns aos outros foi uma variável importante para um avanço compartilhado. A ofensiva reacionária age no sentido oposto.

A esquerda latino-americana e caribenha está convocada a deter a ofensiva reacionária, reconquistar os espaços perdidos, alcançar novas vitórias, criar as condições para que a Unasul e a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos voltem a ter protagonismo no cenário internacional, em favor da paz e de outra ordem econômica e política internacional. Descobrir quais os caminhos para fazer isto exigirá um balanço detalhado de como chegamos até aqui, do qual se possa extrair uma diretriz de como seguir em frente em uma nova situação, distinta daquela vigente entre 1998 e 2016, mas em alguns aspectos semelhante aquela que vigia nos anos 1990, mas em outros aspectos uma situação totalmente nova.

Até a crise internacional de 2008, os governos progressistas e de esquerda vinham conseguindo contornar seus limites, contradições e erros. Mas a partir da crise internacional de 2008, a deterioração dos preços das commodities, a dependência financeira e comercial, a força dos oligopólios –especialmente estrangeiros -- e a fraqueza do Estado tornaram cada vez mais difícil a situação, agravando um conjunto de problemas que já vinham se acumulando (fadiga de material, limites da estratégia adotada, timidez nas políticas de integração, políticas macroeconômicas que mantiveram a predominância do setor agroexportador e o peso do setor financeiro etc).

Noutras palavras, a crise internacional funcionou como um catalizador de diversos fenômenos, revelando que a dependência externa continua sendo uma variável fundamental a superar, através da integração regional, da industrialização, do fortalecimento do Estado e da soberania nacional, em todos os seus aspectos, do alimentar à defesa, passando pela comunicação.

A crise e a contraofensiva reacionária atingiu o conjunto dos países governados pelas forças progressistas e de esquerda. Seja onde foi adotada uma variante mais “confrontacionista”, seja onde foi adotada uma variante mais “negociadora”, verificou-se uma deterioração das condições políticas, econômicas e sociais, que afetou o apoio da classe trabalhadora aos governos progressistas e de esquerda, levando a derrota eleitoral na Argentina, criando espaço para o impeachment no Brasil e possibilitando uma maioria parlamentar de direita na Venezuela.

Cada país da América Latina e Caribe tem sua própria história, irredutível e única. Mas os episódios desde 2008 – Honduras, Paraguay, Argentina, Venezuela, Brasil ... -- confirmam mais uma vez que nossas diferenças, que são relevantes, convivem com imensas semelhanças, entre as quais:

a) nossas classes dominantes preferem subordinar-se a Washington do que construir experiências democráticas e progressistas de desenvolvimento soberano;

b) nossas classes dominantes e seus representantes políticos e midiáticos tem com a democracia uma relação meramente instrumental;

c) nossas classes dominantes preferem ganhar dinheiro através da desigualdade e da dependência às metrópoles, do que através da integração regional e da ampliação do consumo.

É por isto que as classes dominantes da América Latina e Caribe atacam duramente tanto governos moderados quanto radicais. O que lhes importa e desagrada é serem governos de esquerda, ou seja, governos que tem compromisso com os interesses da classe trabalhadora e das maiorias populares. 

Melhorar a vida do povo através da ação de governos

No ambiente estratégico dos anos 1990, a maioria dos partidos e organizações de esquerda da América Latina e Caribe foi convergindo na prática e também no plano das formulações para uma estratégia que consistia -- malgrado profundas diferenças históricas, sociais, políticas e ideológicas -- em buscar melhorar a vida do povo através de políticas públicas que seriam implementadas a partir de espaços legislativos e executivos conquistados através de processos eleitorais.

Tais políticas públicas foram de diferentes tipos (universais/distributivas ou focalizadas/compensatórias) e implementadas com diferentes graus de confronto, negociação e aliança com as “elites” locais e com os “imperialismos”.

Em alguns casos, aquelas políticas públicas foram precedidas ou acompanhadas de processos constituintes, que resultaram em reformas importantes e foram acompanhadas de uma retórica radicalizada, embora em nenhum caso tenham implicado em revoluções no sentido clássico deste termo (ou seja, na expropriação econômica e política da classe dominante). Noutros casos, aquelas políticas públicas foram implementadas sem processos constituintes, sem nenhuma tentativa de reforma nas estruturas políticas, sociais e econômicas, no Estado e na relação entre as forças sociais, além de acompanhadas de uma retórica explicita e assumidamente “moderada”.

Apesar destas múltiplas e importantes diferenças, havia um núcleo comum, o que permite dizer que estávamos diante de variantes de uma mesma estratégia. Este núcleo consistia, como já foi dito, na implementação de políticas públicas a partir de posições conquistadas através de processos eleitorais. Neste aspecto, esta estratégia e cada uma de suas variantes eram todas elas profundamente diferentes da estratégia adotada pelos que dirigiram a Revolução Cubana de 1959.

No caso cubano tivemos a conquista do poder (e não do governo), pela luta armada (não pela via eleitoral), a partir da qual se introduziram não apenas novas políticas públicas, mas também transformações no padrão de desenvolvimento vigente até então em Cuba, mudanças que incluíram da reforma agrária à transição socialista. Entretanto, as grandes revoluções – como a haitiana, a mexicana e a cubana -- não são planejadas: elas acontecem devido à condensação de contradições internas a cada país, com os estímulos maiores ou menores fornecidos pelo ambiente regional e mundial. Nos dias de hoje, o ambiente de instabilidade internacional é acompanhado pela interdição posta, pelas classes dominantes da região, a qualquer política de reformas.

Apesar da oposição da maior parte da classe dominante e de seus representantes políticos, os governos progressistas e de esquerda entre 1998 e 2016 obtiveram êxito – maior ou menor em cada caso – no que diz respeito a melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades democráticas, afirmar a soberania nacional e ampliar a integração regional.

Entretanto, a partir de um determinado momento -- que variou de país para país, mas que em todos os casos ocorreu depois da crise internacional de 2008--, os governos progressistas e de esquerda passaram a enfrentar crescentes dificuldades, que resultaram em perda de apoio popular e no crescimento da oposição de direita.

Como no Chile dos anos 1970, predominou na classe dominante dos países latino-americanos e caribenhos a política de enfrentamento contra os governos progressistas e de esquerda. Utilizou-se de tudo um pouco: oposição política e midiática, sabotagem burocrática e econômica, ações diplomáticas abertas ou encobertas, mobilização de massa e ações subversivas clandestinas.

Aliás, a esquerda latino-americana e caribenha que chegou ao governo entre 1998 e 2016 tem muito aprender com a experiência da chamada “via chilena para o socialismo”. Inclusive com o fato de sermos vítimas de uma campanha anticomunista, que atinge inclusive partidos que –- ao contrário do que fizeram o presidente Salvador Allende e o governo da Unidade Popular (1970-1973) –- nunca vincularam sua ação governamental ao objetivo de chegar ao socialismo.

Frente a uma nova situação estratégia, a esquerda da região está chamada a produzir uma nova estratégia. Ontem como hoje, um dos componentes desta estratégia continuará sendo a integração da América Latina e do Caribe, variável fundamental para o êxito da estratégia democrático-popular e socialista no Brasil e também para o êxito da estratégia que a esquerda venha a adotar em cada país da região. Caso o protecionismo prometido por Trump se materialize, mais espaço haverá para uma estratégia de integração.

Não é a primeira vez que a esquerda regional está chamada a produzir uma nova estratégia. O mesmo ocorreu no início dos anos 1990, em que enfrentávamos os efeitos combinados da ofensiva neoliberal e da crise do socialismo de tipo soviético. Naquele momento, o Foro de São Paulo foi um espaço muito importante para o diálogo e a elaboração de novas estratégias.

Diretrizes para a ação internacional no atual período

Devemos ser internacionalistas, por razões programáticas e estratégicas. Programaticamente, porque defendemos um mundo socialista. Estrategicamente, porque as vitórias da classe trabalhadora e das esquerdas contribuem umas com as outras.

Devemos manter relações com partidos, organizações e militantes das mais diferentes orientações políticas e ideológicas. Devemos manter diferentes níveis de cooperação com os que compartilham as premissas do respeito à autodeterminação dos povos, às liberdades democráticas e ao bem-estar social.

Neste diálogo com forças de esquerda, nacionalistas, populares, socialistas e comunistas, o mínimo denominador é a integração regional, o desenvolvimento soberano, a ampliação do bem-estar social e das liberdades democráticas dos nossos povos. Até porque a experiência recente confirmou que não haverá “progressismo em um só país”.

Neste contexto de hegemonia capitalista, crise do capitalismo, ampliação das contradições intercapitalistas, conflito entre o bloco liderado pelos EUA contra os BRICS, instabilidade, crise e guerra, a alternativa está em construir um forte movimento internacional, ancorado nas classes trabalhadoras e nos setores populares, que consiga não apenas resistir, mas também conquistar governos, reorientando assim a economia e a politica mundiais.

Nos tempos em que vivemos, capitalismo significa instabilidade, crises e guerras. Nos Estados Unidos e na Europa, as classes dominantes e seus partidos, assim como importantes setores da esquerda tradicional, comprometeram-se com políticas neoliberais e/ou capitularam diante do populismo reacionário. A guerra, sob a forma regional ou mundial, é um risco crescente. Frente a barbárie capitalista, reafirmamos a escolha por uma sociedade sem exploração nem opressão, o socialismo.

Os principais traços do socialismo são:

a) a mais profunda democracia. Isto significa democracia social; pluralidade ideológica, cultural e religiosa; igualdade de gênero, igualdade racial, liberdade de orientação sexual e identidade de gênero. A igualdade entre homens e mulheres, o fim do racismo e a mais ampla liberdade de expressão sexual serão traços distintivos e estruturantes da nova sociedade. O pluralismo e a auto-organização, mais que permitidos, deverão ser incentivados em todos os níveis da vida social. Devemos ampliar as liberdades democráticas duramente conquistadas pelos trabalhadores na sociedade capitalista. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária e a criação de novos mecanismos institucionais que combinem democracia representativa e democracia direta. Instrumentos de democracia direta, garantida a participação das massas nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica, deverão conjugar-se com os instrumentos da democracia representativa e com mecanismos ágeis de consulta popular, libertos da coação do Capital e dotados de verdadeira capacidade de expressão dos interesses coletivos;

b) um compromisso internacionalista. Somos todos seres humanos, habitantes de um mesmo planeta, casa comum a que temos direito e de que todos devemos cuidar. O capitalismo é um modo de produção que atua em escala internacional e, portanto, o socialismo deve também propor alternativas mundiais de organização social. Apoiamos a autodeterminação dos povos e valorizamos a ação internacionalista, no combate a todas as formas de exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista é nossa inspiração permanente. Os Estados nacionais de vem ter sua soberania respeitada e devem cooperar para eliminar a desigualdade econômica e social, bem como todos os motivos que levam à guerra e aos demais conflitos políticos e sociais. Os organismos multilaterais criados após a Segunda Guerra Mundial deverão ser reformados e/ou substituídos, capazes de servir como superestrutura política de um mundo baseado na cooperação, na igualdade, no desenvolvimento e na paz;

c) um planejamento democrático e ambientalmente orientado. Uma economia colocada a serviço, não da concentração de riquezas, mas do atendimento às necessidades presentes e futuras do conjunto da humanidade. Para o que será necessário retirar o planejamento econômico das mãos de quem o faz hoje: da anarquia do mercado capitalista, bem como de uma minoria de tecnocratas estatais e de grandes empresários, a serviço da acumulação do capital e, por isso mesmo, dominados pelo imediatismo, pelo consumismo e pelo sacrifício de nossos recursos sociais e naturais;

d) a propriedade pública dos grandes meios de produção. As riquezas da humanidade são uma criação coletiva, histórica e social, de toda a humanidade. O socialismo que almejamos, só existirá com efetiva democracia econômica. Deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de produção. Propriedade social que não deve ser confundida com propriedade estatal; e que deve assumir as formas (individual, cooperativa, estatal etc.) que a própria sociedade, democraticamente, decidir. Democracia econômica que supere tanto a lógica do mercado capitalista, quanto o planejamento autocrático estatal vigente em muitas economias ditas socialistas. Queremos prioridades e metas produtivas que correspondam à vontade social, e não a supostos interesses estratégicos de quem comanda o Estado. Queremos conjugar o incremento da produtividade e a satisfação das necessidades materiais, com uma nova organização do trabalho, capaz de superar a alienação característica do capitalismo. Queremos uma democracia que vigore tanto para a gestão de cada unidade produtiva, quanto para o sistema no conjunto, por meio de um planejamento estratégico sob o controle social.

Falar em socialismo como objetivo estratégico parece ser contraditória com a afirmação que vivemos num período de defensiva estratégia da esquerda, no âmbito internacional.

Defensiva estratégica

Um período de defensiva não significa um período de passividade. Num período de defensiva travam-se grandes lutas, se obtém vitórias e até avanços.

O que caracteriza um período como sendo de defensiva é o objetivo dele.

Num período de defensiva, o objetivo principal é defender as conquistas antigas e recuperar o terreno perdido. Ou seja: os avanços parciais visam recuperar o status quo ante, o que já tínhamos e agora perdemos.

A defensiva não dura para sempre. Uma situação de defensiva pode se converter em uma situação de equilíbrio (relativo, como qualquer equilíbrio) e este pode se converter numa situação de ofensiva estratégica.

O que permite a defensiva se converter em ofensiva é a mudança no estado de ânimo da classe trabalhadora. E esta mudança ocorre em parte como reação à ação dos inimigos e em parte por ação das diferentes vanguardas da classe, numa combinação de elementos.
Evidente, se existe o propósito de criar as condições para sair de uma situação de defensiva, então a ação das vanguardas deve ajudar a classe trabalhadora a mudar seu estado de ânimo.

Para isto é preciso elaborar e saber diferenciar as propostas de curto, médio e longo prazo. E para isto é preciso saber escolher muito bem as batalhas que devem ser travadas em cada momento, levando em conta (embora invertendo os termos) o ensinamento implícito na famosa frase: “nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo".

E por isto é importante, especialmente quando estamos na defensiva, ser o mais didático, paciente e correto no debate de ideias. Pois nos momentos de defensiva, de recuo, de confusão, as forças inimigas ampliam sua influência também no terreno das ideias.
Nossa ação não decide tudo, mas nossa ação não é irrelevante. Mais do que isto: nos períodos de ofensiva, quando a vanguarda erra, as massas passam por cima. Mas num período de defensiva, quando a vanguarda erra, quem passa por cima de nós são os inimigos.

Por isto é tão importante, num período de defensiva, acertar. Acertar nas palavras de ordem, acertar nas politicas organizativas, acertar nos métodos de trabalho etc.

Do ponto de vista organizativo, a principal batalha é defender nossas organizações. E afirmar o princípio da unidade da classe, da unidade das forças populares, da unidade do nosso campo político e social.

Nesta perspectiva, os sindicatos e a central sindical cumprem papel decisivo, porque são organizações que estão (ou que deveriam estar, ou que podem estar) em contato direto e cotidiano com a maior parte da classe trabalhadora.

Também cumpre papel muito importante a disputa de eleições e o exercício de mandatos parlamentares e governamentais.

Sabemos que a conquista de maiorias eleitorais faz parte da disputa pelo poder, mas não “resolve” a maior parte do “problema” do poder.

Em primeiro lugar, porque mesmo quando obtemos vitórias, a classe dominante -- e seus partidos – conquistam minorias eleitorais mais ou menos expressivas.

Além disso, há elementos de poder que não sofrem influência direta da disputa eleitoral, tais como a ingerência externa, o poder econômico, o oligopólio da mídia, o judiciário, as forças de segurança.

Além disso, embora não resolvam o problema do poder, as vitórias eleitorais da esquerda aguçam a disputa pelo poder, tornando mais violenta a disputa de hegemonia cultural, comunicacional, ideológica, política e econômica.

Quando as forças reacionárias conseguem afastar a esquerda do governo (seja pela via eleitoral ou do golpe, seja este clássico ou jurídico-parlamentar), elas voltam dispostas a reduzir ao mínimo as possibilidades de que a história se repita.

Isto é ainda mais verdadeiro hoje em dia, em que as forças reacionárias na América Latina e Caribe aprenderam com as derrotas que sofreram a partir da eleição de Hugo Chavez em 1998; e também porque a situação do capitalismo as empurra a adotar medidas para recompor rapidamente sua rentabilidade e controle, medidas que só serão politicamente viáveis se forem acompanhadas de alterações profundas na correlação de forças entre as classes; o que por sua vez as levará a tentar fechar e colocar ferrolhos nas “portas” que permitiram à esquerda acessar espaços executivos e legislativos, para implementar políticas públicas que melhorassem a vida do povo.

Neste emaranhado de questões, o aspecto ao qual devemos dar atenção principal é o estado de ânimo, consciência, organização e mobilização das camadas populares, especialmente da classe dos trabalhadores assalariados.

Para isto é importante realizar uma análise das classes sociais, de seus interesses de médio e longo prazo, de como eles se articulam e conflitam entre si.

Além disso, faz-se necessário debater:

1) como travar a disputa pelo "poder econômico"?

2) como disputar a hegemonia ideológica sobre a sociedade?

3) quais são as indispensáveis reformas democráticas no âmbito econômico, social, cultural e político?

Quando saímos do plano nacional e passamos a análise do plano regional, a questão pode ser posta da seguinte forma: sem integração regional, não é possível melhorar a vida do povo de maneira profunda, veloz e permanente.

Entretanto, qual padrão de integração regional é necessário, se falamos em processos de mudança mais profundos, mais velozes e mais duradouros? Por exemplo: como articular a integração entre Estados e a integração entre os setores sociais comprometidos com os projetos de transformação?

Quando saímos do plano regional e passamos à análise do plano mundial, a questão pode ser posta assim: como o processo de transformações nacionais e de integração regional se articula com a “guerra” (com cada vez menos aspas) mundial entre diferentes projetos de desenvolvimento?

Do ponto de vista teórico, precisamos enfrentar a análise do capitalismo do século XXI, a retomada do balanço da luta pelo socialismo no século XX, assim como um balanço dos governos “progressistas e de esquerda” na América Latina e Caribe.

Estratégica, tática e análise de conjuntura

As definições estratégicas podem ser perfeitas no papel, mas se a tática for equivocada, de pouco adiantará.

Ou seja: não é provável que vença uma guerra alguém que perde todas as batalhas de que participa. Pois de derrota em derrota não se constrói a vitória final, embora seja impossível vencer sem antes ter sido derrotado; e seja imprescindível extrair lições da cada uma das derrotas.

A estratégia visa alterar a correlação de forças entre as classes sociais num plano fundamental: o do poder de Estado. E a partir daí, agir sobre o terreno das relações de produção.

A tática visa alterar a correlação de forças entre as classes sociais em níveis menos fundamentais: no governo, no parlamento, nas eleições, nas lutas sociais etc.

Ambas (estratégia e tática) dizem respeito à correlação de forças entre as classes sociais; ambas se articulam; e no limite ocorrem batalhas táticas com efeitos estratégicos (aquela batalha tática em que se decide a “tomada do poder” é também uma batalha estratégica, ou seja, mesmo tendo vencido todas as anteriores, perder esta batalha pode significar perder a guerra).

Noutras palavras: voltamos ao ponto de partida. Tudo depende da análise das classes sociais e da luta de classes.

A análise de conjuntura (ou seja, a análise de um conjunto de elementos) tem por objetivo medir a correlação de forças entre as classes sociais e definir quais passos táticos devem ser dados para acumular forças em direção aos objetivos estratégicos.

Como “medir” se estamos acumulando? É preciso verificar qual o nível de consciência, organização e mobilização da classe trabalhadora, vis a vis as demais classes sociais.

Vladimir Lenin dizia que a essência do marxismo é a análise concreta da situação concreta, que o marxismo é um guia para a ação.

“Situação concreta” e “ação” podem dizer respeito a períodos de tempo mais ou menos longos, em territórios mais ou menos extensos.

Podem dizer respeito à estratégia deduzida da análise das tendências de desenvolvimento de uma sociedade ao longo dos últimos 100 anos; ou dizer respeito à tática deduzida da análise de uma sociedade ao longo dos últimos 100 meses.

Podem dizer respeito à análise da situação de uma empresa, de uma cidade, de um estado, de um país, de um subcontinente, de um continente, do mundo.

Quando falamos de análise de conjuntura, estamos nos referindo a uma análise concreta de uma situação concreta mais curta no tempo e restrita no espaço.

Isto é assim não por conta da incapacidade de quem analisa, mas sim por conta da natureza do fenômeno analisado.

A análise de conjuntura é uma análise da correlação de forças em luta, correlação que em última análise remete para dois “sujeitos”: as classes sociais (no âmbito de cada país) e os Estados (expressão desta luta de classes no âmbito internacional).

A correlação de forças se altera com muita rapidez ao longo do tempo; e num mesmo momento, mas em territórios diferentes, também apresenta enormes diferenças.

Por isto, analisar a conjuntura de um século ou analisar a conjuntura do mundo inteiro é, na verdade, estudar várias conjunturas encadeadas ou simultâneas.

Isto é perfeitamente possível de fazer, mas neste caso estaríamos realizando não uma “análise de conjuntura” --ou seja, das tendências de curto/médio prazo-- mas sim uma análise das tendências de médio/longo prazo, portanto uma “análise de estrutura”.

A análise “estrutural” é fundamental, até porque sem ela a análise de conjuntura torna-se volúvel. Da análise de conjuntura deriva a tática, da análise de estrutura deriva a estratégia.

Há análises de conjuntura para todos os gostos e sabores; assim como há diferentes maneiras de analisar a conjuntura; não havendo consenso sobre o que significa “analisar”, nem tampouco sobre o que significa “conjuntura”.

As análises da conjuntura fazem parte... da conjuntura. A difusão de determinadas interpretações, narrativas, conclusões, propostas faz parte da luta política permanente que se trava em nossa sociedade. Por isto é fundamental saber que não existe análise neutra, acima e a parte daquela luta.

A classe trabalhadora está submetida à influência da ideologia da classe dominante (os capitalistas). Reconhecer isto e desenvolver de forma consciente seu próprio ponto de vista é parte integrante da luta por fazer da classe trabalhadora a futura classe dominante.


Um comentário:

  1. Faltou um detalhe MINIMALISTA... Eis:

    Mas sério mesmo para o ano de 2017, é o seguinte:

    O problema é a SUAVE & disfarçada truculência do PeTê... Repare:
    É evidente que o Petismo se utiliza de técnicas das mais brilhantes de publicidade, brilhantes, mas ENGANA-TROUXA...

    Petista apenas & só se preocupa com PSDB e outras ASNEIRAS. Que amor enrustido! Só fala a toda hora e minuto sobre PSDB etc.

    Mas petista nem se lembram do PeTê mesmo… Vejam um único exemplo bem simples:

    ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
    A Semiótica do Coração Valente
    ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

    Mas quanto a tudo isso o que importa é a publicidade & a propaganda, somada com a baranguice de VELHA — tal qual Dilma. Eis:

    Grave mesmo é isso aqui:

    GOLPE e «CORAÇÃO VALENTE»:

    São clichês publicitários elaborados por 1 publicitário! Tal qual o preso milionário JOÃO SANTANA (o “Feira”…). São tais quais a frase publicitária de iogurte da DANONE, assim, veja:
    «DANONINHO VALE POR 1 BIFINHO». [ou: “CVC pensando em você”].

    Nunca jamais houve GOLPE; assim como DANONINHO jamais VALE POR 1 BIFINHO… E o slogan petista “Coração Valente” é uma frase feliz em termos publicitários (fazer a cabeça via mitologia), mas de um vigarismo extraordinário.

    [e reparem.., tudo isso tem a ver com Educação grosseira do Governo Petista. A pior da América inteira].

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