segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Grande Sakamoto

O blog do Sakamoto desta segunda-feira 3 de outubro faz algumas afirmações muito interessantes, para quem tem interesse no "método" com que se deve analisar a relação entre os resultados eleitorais e o destino da esquerda brasileira.

Sakamoto diz que o PT foi o maior derrotado nas eleições e que por isto será "apenas uma sombra do que já foi considerando as administrações municipais. A menos que um fato novo ocorra, essa condição provavelmente se repetirá nas eleições de 2018, fazendo com que o partido perca a hegemonia na esquerda".

Ao mesmo tempo ele diz que vitórias do PSOL em Belém e no Rio de Janeiro serão "importantes para que o PSOL cogite em disputar essa hegemonia partidária da esquerda".

Mesmo que as coisas sejam exatamente assim, há um detalhe a considerar: qual a real importância estratégica, na atual quadra história, de um partido ser eleitoralmente hegemônico? 

Noutras palavras: continua válida e operante a estratégia que animou grande parte do PT, entre 1995 e 2014, estratégia esta que conferia centralidade estratégica ao acúmulo eleitoral?

Se entendi direito, Sakamoto tem lá suas dúvidas sobre isto. Afinal, ele próprio afirma que "tão ou mais importante que isso, será saber como os movimentos sociais e sindicatos historicamente ligados ao PT e que formaram sua base social irão se comportar de agora em diante. E se o partido será capaz de se voltar a essa base e às suas demandas".

Eu acrescentaria: neste momento, o que vai definir o futuro da esquerda é a capacidade de reconectar com a classe trabalhadora, com os setores populares, com a juventude e as mulheres, negros e negras trabalhadoras.

Por isto, não concordo com a afirmação de Sakamoto, segundo a qual "a arena institucional é o local por excelência para a resolução de conflitos na sociedade". Foi exatamente por acreditar nisto que uma parte da esquerda, majoritária no interior do PT, deu aos processos eleitorais um peso estratégico desmedido.

A "arena institucional" é o "local por excelência" para a "resolução de conflitos"? No Brasil pelo menos, isto não foi verdade na maior parte da nossa história republicana.

Na minha opinião, um dos muitos desafios da esquerda brasileira consiste exatamente em construir uma estratégia que combine a chamada disputa institucional, com formas luta e de de acúmulo de forças que não sejam institucionais.

Isto posto, acho que Sakamoto exibe um saudável pessimismo quando descreve as dificuldades que estão postas para a esquerda. Pessimismo que o conduz a concluir que a solução para os problemas se dará "através de renovação geracional, ou seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais novos – e, aqui, não falo de idade, mas da forma como se vê e se pratica a política". 

O problema é: foi mais ou menos isto que aconteceu, no ciclo que deu origem ao Partido dos Trabalhadores. Logo, a sucessão geracional não necessariamente resolve os problemas de fundo. 

Além disto, entre a geração de esquerda anterior ao golpe de 64 e a geração de esquerda que criou o PT, há um "sanduíche temporal" em que não apenas batemos cabeças, mas onde também bateram nas nossas cabeças.

Também por isto, embora considere saudável o pessimismo de Sakamoto e considere que sua hipótese pode vir a realizar-se, acho que nossa postura prática deve ser tentar impedir que se perca uma geração.

O que exige, dentre outras coisas, retomar debates programáticos e estratégicos que o PT ensaiou nos anos 1980 e foi pouco a pouco abandonando ao longo dos anos 1990.

Uma das dificuldades que enfrentaremos para fazer estes debates é que eles são "verticais" demais para alguns e são "radicais" demais para outros. 

Mas enfim, assim é a vida. Além de ser contraditória pacas. Por exemplo, não tenho dúvida de que Donald Trump seja o mais reacionário do ponto de vista do povo dos EUA; mas quando mais eu observado Hillary Clinton, mais perigosa ela me parece do ponto de vista da maior parte da população do mundo.





SEGUNDA-FEIRA, 3 de OUTUBRO DE 2016 – IHU 0N-LINE – ADITAL – BLOG DO SAKAMOTO

Eleições 2016: A esquerda não está morta. Mas não será mais a mesma

“Há duas grandes frentes de esquerda ocupando o cenário público hoje: a Frente Brasil Popular (mais ligada ao PT, MST, entre outros) e a Frente Povo Sem Medo (que conta com a presença do MTST, correntes do PSOL, entre outros). De certa forma, apesar de haver uma relação pragmática entre elas, os movimentos de seus protagonistas representa, metonimicamente, o embate dentro da própria esquerda hoje”, analisaLeonardo Sakamoto, jornalista, em comentário publicado no seu blog, 03-10-2016.
Segundo ele, “o tempo chama a esquerda a refletir sobre seus erros, não só no Brasil, em todo o mundo. E a encontrar novos caminhos e construir resistência – que não significa apenas lutar contra retrocessos, mas apontar saídas – saídas que não podem excluir pobres, trabalhadores e minorias do mundo, pois o mundo só fará sentido se for construído com eles, por eles e para eles”
Eis o comentário.
Algumas reflexões preliminares sobre os resultados eleitorais deste domingo (2):
1) Antipetismo: Como era de se esperar, o processo de impeachment e o bombardeio de denúncias de corrupção relacionadas à operação Lava Jato fizeram com que o Partido dos Trabalhadores fosse o maior derrotado desta eleição. Apesar de vitórias pontuais e da presença em algumas disputas de segundo turno, o PT será apenas uma sombra do que já foi considerando as administrações municipais. A menos que um fato novo ocorra, essa condição provavelmente se repetirá nas eleições de 2018, fazendo com que o partido perca a hegemonia na esquerda.
PSOL está no segundo turno em duas cidades politicamente relevantes, Rio de Janeiro (em que Marcelo Freixo, sem tempo de TV e recursos financeiros escassos, venceu a máquina peemedebista de Pedro Paulo/Eduardo Paes) e Belém (comEdmílson passando em segundo, sendo ultrapassado, na última hora, por Zenaldo Coutinho, do PSDB). Vitórias nesses grandes centros serão importantes para que o PSOL cogite em disputar essa hegemonia partidária da esquerda.
Mas, tão ou mais importante que isso, será saber como os movimentos sociais e sindicatos historicamente ligados ao PT e que formaram sua base social irão se comportar de agora em diante. E se o partido será capaz de se voltar a essa base e às suas demandas.
2) Dos gabinetes para as ruas: Os eleitores mandaram um recado através do voto. Parte da esquerda foi desalojada das Prefeituras e realocada nos parlamentos municipais para cumprir o papel de oposição. Parte, desalojada também das Câmaras de Vereadores, deverá ir para as ruas, de onde saiu na década de 80. Se isso se confirmar, poderá significar uma perda para a política como um todo pois a arena institucional é o local por excelência para a resolução de conflitos na sociedade.
De um ponto de vista muito otimista, o retorno às ruas pode levar, finalmente, o PT e os movimentos a ele relacionados fazerem sua autocrítica. Isso será um processo bem doloroso e longo, em que os diferentes grupos e movimentos da esquerda irão bater bastante cabeça entre si, como foi na década de 70 durante a ditadura, cada um lutando pela sobrevivência de seu discurso. Mas, particularmente, não acredito que o partido e alguns movimentos serão capazes de fazer essa autocrítica.
E como isso se resolve então? Na minha opinião, não se resolve. O problema entre uma velha e uma nova esquerda está no contexto histórico em que seus atores foram formados. A meu ver a solução se dará através de renovação geracional, ou seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais novos – e, aqui, não falo de idade, mas da forma como se vê e se pratica a política. É triste que seja assim, mas tendo em vista os embates dentro da própria esquerda, não acredito em conciliação possível. E partidos políticos, novos ou antigos, não serão a única estrutura adotada por aqueles que construirão esse novo ciclo da esquerda. Os movimentos que envolvem os mais jovens, mais horizontais e que trazem pautas relacionadas à qualidade de vida nas grandes cidades, vão dar menos importância à democracia representativatradicional.
Há duas grandes frentes de esquerda ocupando o cenário público hoje: a Frente Brasil Popular (mais ligada ao PTMST, entre outros) e a Frente Povo Sem Medo (que conta com a presença do MTST, correntes do PSOL, entre outros). De certa forma, apesar de haver uma relação pragmática entre elas, os movimentos de seus protagonistas representa, metonimicamente, o embate dentro da própria esquerda hoje.
3) Internet sim, mas não subestime a TV: Durante um bom tempo, a TV ainda terá papel significativo nas eleições, ao contrário do que muitos pensavam diante do avanço da internet. Seja através da exposição de candidaturas via propaganda eleitoral obrigatória (e todo o inferno relacionado à montagem de coligações bisonhas que isso significa), seja pela eleição de figuras que se tornaram famosas com a ajuda da televisão, como o prefeito eleito de São Paulo, João Doria Jr. Ele venceu o último debate, realizado pela TV Globo, por sua capacidade de se comunicar estar bem acima da de seus adversários – mesmo que muitas de suas respostas tenham sido vazias de conteúdo. Na TV, não raro, não é necessário ser sábio e sim parecer sábio. Quem tem competência midiática vai mais longe, sendo o oposto também verdadeiro. Vide o quanto isso atrapalhou Dilma Rousseff.
4) O engodo da antipolítica: A classe política é responsável pela situação a que chegamos, com toda a corrupção, incompetência e ignorância que minou a credibilidade de instituições. Compra da Reeleição, Mensalões, Trensalões, Lavas-Jato e a maioria dos escândalos, que permanece longe dos olhos do grande público. Ao mesmo tempo, a democracia representativa tradicional e seus vícios se mostraram insuficientes para as demandas da população.
Políticos, mídia, empresários e parte da sociedade conseguiram a proeza de dar espaço aos que defendem que ''fazer política é escroto''. Ou seja, ao invés de tentarmos melhorar a política, reinventar a democracia, a saída é negar tudo o que ela representa e buscar saídas rápidas, vazias e, não raro, autoritárias. Daí, surgiram candidatos que estufaram o peito e mentiram, com orgulho, que não são políticos e não fazem política. Espalhou-se a percepção de que quem se engaja historicamente na política, partidária ou não (porque muitos fazem questão de resumir toda política à partidária), tem sempre interesses financeiros.
São Paulo elegeu o discurso de negação da política, apesar de Doria ser um político desde sempre. O primeiro colocado no primeiro turno do Rio é um religioso que também nega a política. E, em Belo Horizonte, passam para o segundo turno um ex-goleiro e um dirigente de futebol. Isso abre portas para que pessoas que se colocam como ''salvadores da pátria'' ganhem espaço a fim de nos ''tirar das trevas'' sem o empecilho da ''política''.
5) Onda conservadora: No mesmo dia em que eleições municipais eram realizadas no Brasil, a Colômbia, através de um plebiscito, disse ''não'' ao acordo de paz assinado entre o governo daquele país e as Farc. Neste ano, o Reino Unido também votou pelasaída da União Europeia. E isso não foi causado apenas pelos discursos xenófobos contra imigrantes, mas também pela situação econômica de muitos trabalhadores britânicos que culpam o bloco pela deterioração de sua qualidade de vida. Some-se a isso o aumento da influência dos partidos de extrema direita na Europa e a possibilidade deDonald Trump sentar-se no Salão Oval da Casa Branca. Ao final, podemos estar vivendo uma tendência global conservadora.
O tempo chama a esquerda a refletir sobre seus erros, não só no Brasil, em todo o mundo. E a encontrar novos caminhos e construir resistência – que não significa apenas lutar contra retrocessos, mas apontar saídas – saídas que não podem excluir pobres, trabalhadores e minorias do mundo, pois o mundo só fará sentido se for construído com eles, por eles e para eles. Muitos direitos foram efetivados desde a Constituição Federal de 1988 – direitos que não serão retirados sem muita reclamação ou luta por aqueles que viram um quinhão mínimo de dignidade ser construído entre os governos doPSDB e do PT.
Como mostram os instituto de pesquisa, como o Datafolha, a população mais pobre não foi às ruas nem a favor, nem contra o impeachment. Muito menos a maioria dos jovens que coalharam as ruas em junho de 2013. Estão em compasso de espera por não se verem representados pelo que esta aí. Ninguém tem o direito de questionar o seu voto, afinal estamos em uma democracia. A dúvida é se, a depender de como soprar o vento agora, eles explodirão a fim de dizer ''não'' para quem tentar suprimir os poucos direitos que têm.
Por fim, não raro esquecemos que a história não caminha em linha reta e é a resultante de forças que variam em tamanho e intensidade de acordo com cada época. Ademocracia pressupõe alternância de poder. E, sim, os direitos que foram garantidos podem ser perdidos, incluindo a definição conceitual de coisas caras à nossa civilização, como dignidade e liberdade. Por isso mesmo que a ideia de diálogo é tão importante. É uma ideia paciente, da qual não podemos nos dar ao luxo de abrir mão. Precisa estar viva, nas ruas, nas conversas de bar, na grande política do nosso cotidiano e na pequena política dos parlamentos, gabinetes e tribunais. Ela que fará com que os diferentes não se odeiem e com que, ao final de contas, a barbárie da intolerância não triunfe.
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