quarta-feira, 24 de junho de 2015

Escrito a convite

Texto escrito a convite da revista Caros Amigos.

Qual presente aos 35?
O Partido dos Trabalhadores foi criado em 1980. Sua história pode ser dividida em três grandes etapas: até 1989 fizemos oposição política e social contra a ditadura e contra a transição conservadora; até 2002, fizemos oposição ao neoliberalismo; e a partir de 2003 e até agora, encabeçamos o governo federal.
As transformações ocorridas no PT e em sua atuação, ao longo destes 35 anos, responderam em parte às mudanças objetivas ocorridas na sociedade brasileira, na luta entre as classes sociais. Por outra parte, as mudanças sofridas pelo PT são produto da luta entre as diversas correntes existentes no interior do Partido, correntes que expressam de maneira mais ou menos consciente o ponto de vista de diferentes setores da classe trabalhadora.
Existem hoje no PT quatro grandes correntes ideológicas: o social-liberalismo, o desenvolvimentismo, a social-democracia e o socialismo. Estes últimos, que foram hegemônicos na primeira etapa da história do Partido, desde 1995 vêm perdendo influência.
A maior parte dos petistas socialistas sofreu uma metamorfose, aderindo em maior ou menor grau às ideias das demais correntes ideológicas. Outra parte optou por investir suas energias na militância dita “social” ou explicitamente em outros projetos partidários. Um grande número escolheu manter-se filiado ao PT, mas sem acreditar na possibilidade de reconstruir uma hegemonia socialista no seu interior.
Acontece que desde o final da ditadura militar até hoje, o PT é o partido com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras, com mais força política social e institucional, com mais destaque internacional.
Os demais partidos vinculados à classe trabalhadora são aliados, adversários ou inimigos do PT, que mantém uma hegemonia que decorre de sua influência de massa e também das condições sob as quais se trava, hoje, a luta política no Brasil.
Por isto, os dilemas do PT são os dilemas da classe trabalhadora brasileira: enquanto durarem as atuais condições históricas, a derrota do PT será a derrota do conjunto da classe trabalhadora e da esquerda brasileira.
Os que acreditam que esta derrota é inevitável e investem na construção de sua própria alternativa partidária, geralmente acreditam que esta alternativa sobreviveria à uma derrota do PT e assumiria o papel atualmente ocupado pelo PT.
Tal crença é uma ilusão, porque caso o petismo fosse derrotado historicamente, o mais provável seria ocorrer algo similar ao que se passou em 1964-1980 quando da derrota do comunismo e do trabalhismo, ou seja, a dispersão da esquerda num ambiente de derrota geral da classe trabalhadora.
Por isto diversos setores da esquerda, mesmo não sendo petistas, consideram necessário impedir a derrota do PT. E impedir a derrota do PT exige, fundamentalmente, mudar a atual estratégia política do Partido.
A política adotada pelo PT em sua primeira década de existência, especialmente a partir de 1986, foi baseada no programa democrático-popular e socialista e numa estratégia que articulava luta social, luta institucional, disputa politico-cultural e organização partidária.
Entretanto, depois da derrota sofrida nas eleições de 1989, um setor importante do Partido entendeu que era necessário mudar de programa e de estratégia. A partir de 1995, o objetivo principal do Partido passou a ser derrotar o neoliberalismo, o que implicava em ter como objetivo não mais iniciar uma transição socialista, mas sim administrar um capitalismo não-neoliberal.
À medida que o objetivo programático passou a ser derrotar o neoliberalismo, setores do grande Capital passaram a ser considerados aliados estratégicos. O PT passou a realizar cada vez mais alianças com partidos de centro e direita, que expressavam exatamente os interesses daqueles setores.
Como o grande capital brasileiro é hegemonizado pelo setor financeiro e monopolista, setores do Partido passaram a defender e a praticar alianças também com os setores beneficiários e interessados no neoliberalismo que supostamente se pretendia derrotar. Em consequência, começaram a propor e a realizar alianças inclusive com o PSDB.
A mudança no objetivo programático e nas alianças foi acompanhada por mudanças na política de acúmulo de forças e de conquista/construção do poder.
Até 1995, nosso caminho para o poder incluía participar das eleições e exercer mandatos. Mas a luta institucional era um dos meios, não o único meio e nunca o fim. A luta institucional era considerada parte de uma estratégia que incluía também a luta e organização social, a construção de uma aliança orgânica entre as forças democrático-populares, a disputa ideológica, cultural, de visões de mundo, bem como a organização do próprio PT como partido de massas.
Mas ao longo dos anos 1990, especialmente a partir de 1995, a luta institucional foi progressivamente se tornando "a" estratégia, que subordinava e na prática às vezes substituía os demais aspectos.
A mudança no objetivo programático, na política de alianças, na política de acúmulo de forças, na via de conquista/construção do poder não impediram a nossa vitória nas eleições presidenciais de 2002. Tampouco impediram que nossos governos federais, estaduais e municipais melhorassem a vida do povo.
Mas com o passar do tempo foi ficando cada vez mais claro que a estratégia adotada entre 1995 e 2005, além de não conduzir ao socialismo, possuía também "defeitos de fabricação" que impediam atingir seus próprios objetivos.
Afinal, para continuar melhorando a vida do povo, ampliando a democracia e a soberania nacional, é preciso fazer reformas estruturais. Na ausência de reformas estruturais, a tendência é o retrocesso nas condições de vida do povo e a retomada de uma hegemonia de tipo neoliberal.
E para fazer reformas estruturais, necessitamos de força política e social, já que tais reformas de caráter democrático-popular contrariarão os interesses das classes dominantes no plano nacional e internacional.
Por outro lado, chegamos ao governo, mas não conquistamos o poder. E aqueles setores políticos e sociais que detêm o poder estão cada vez mais ameaçando nossa continuidade no governo, como fica claro ao compararmos os resultados das eleições presidenciais desde 2002 até 2014.
A estratégia adotada pelo PT desde 1995 visava e visa conquistar o governo e mudar as ações de governo. Não é e nunca foi uma estratégia de poder, de disputa de hegemonia e ampliação do apoio político e social para o Partido, de reformas estruturais. Seguir adotando esta estratégia nos levará a administrar o retrocesso do que fizemos desde 2002 e ajudar em nossa própria derrota, nas eleições e/ou fora delas.
Noutra palavras: a estratégia majoritária no PT entre 1995 e 2005 nos trouxe até certo ponto. Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra estratégia, talvez não. Independentemente disto, se quiser seguir adiante, o Partido precisará de outra estratégia, que reconheça que só é possível continuar melhorando a vida do povo se fizermos reformas estruturais. Que construa as condições políticas para fazer reformas estruturais. Que recoloque o socialismo como objetivo estratégico. Que constate que o grande capital é nosso inimigo estratégico. Que não acredite nos partidos de centro-direita como aliados. Que seja baseada na articulação entre luta social, luta institucional, luta cultural e organização partidária. Que retome a necessidade do partido dirigente e da organização do campo democrático-popular. E que abra mão, integral e imediatamente, do financiamento empresarial.
Em 2005 já havia ficado clara a necessidade desta nova estratégia. Naquele momento, a crise política criou as condições para eleger uma nova direção para o Partido, entendendo direção no duplo sentido da palavra: no sentido de núcleo dirigente e no sentido de rumo estratégico.
Entretanto, entre o primeiro e o segundo turno das eleições partidárias de 2005, um importante setor da esquerda petista desistiu de disputar o PT e resolver aderir ao PSOL.
Em parte por isto, em parte por limitações dos demais setores da esquerda petista, em parte pela força dos setores moderados do PT, o resultado foi a eleição de uma nova direção partidária comprometida com algumas mudanças na implementação da estratégia, mas não comprometida com a adoção de uma nova estratégia.
Embora limitadas, as mudanças realizadas entre 2006 e 2010 melhoraram o ambiente no Partido, contribuíram para que o governo Lula fizesse uma inflexão à esquerda e nos permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia continuou a mesma.
As consequências deste erro ficaram claras em junho de 2013, nas eleições de 2014 e neste início do segundo mandato de Dilma. Ao não mudar a estratégia, enfrentamos seus efeitos colaterais. Ao não mudar a estratégia no momento adequado, somos obrigados a tentar a alteração quando é mais difícil fazê-lo.
Embora o estilo predominante no atual governo possa agravar as coisas, os impasses estratégicos atuais não decorrem principalmente das ações (e inações) da presidenta Dilma. As escolhas estratégicas feitas pelos grupos atualmente majoritários no PT são anteriores ao ingresso de Dilma no Partido. E as opções feitas pelo governo neste primeiro bimestre de 2015 têm a mesma genética das opções feitas por Lula no biênio 2003-2004.
A diferença é que as condições da luta de classe mudaram completamente. O cenário internacional foi alterado, o grande Capital mudou de atitude, os setores médios e parcelas crescentes da classe trabalhadora também mudaram sua atitude frente ao nosso PT e aos governos que encabeçamos. Ou seja: se é verdade que a atual estratégia oferecia seus ônus e seus bônus, agora os bônus estão desaparecendo e os ônus agigantaram-se.
Por tudo isto, parcela importante da "nação petista” esperava que o 5º Congresso do PT (realizado de 11 a 13 de junho em Salvador, Bahia) propusesse mudanças na linha política e no funcionamento do Partido, mudanças na ação de nossas bancadas parlamentares e na ação do governo Dilma.
Infelizmente, as resoluções do 5º Congresso nacional do PT -- pelo que disseram e principalmente pelo que deixaram de dizer-- frustraram as expectativas e as esperanças das bases vivas do petismo.
Comprovou-se assim, mais uma vez, que nossas principais dificuldades não decorrem da ação da oposição de direita, do oligopólio da mídia ou do grande capital, seja transnacional, financeiro, agropecuário ou monopolista. Nossos inimigos e nossos adversários estão apenas fazendo a sua parte. Se eles estão tendo êxito, é no fundamental devido a erros, ações e omissões que têm origem nas fileiras do Partido.
Quais as chances de êxito nesta luta por mudar os rumos do PT? Respondendo com franqueza: são reduzidas, como foram igualmente reduzidas as chances de vitória em tantas outras disputas de significado estratégico. O que não nos impediu de lutar, nem impediu que fossemos vitoriosos em várias delas.
Se vencermos desta vez, será graças à força e a vontade dos setores mais combativos da classe trabalhadora. Este é o melhor “presente de aniversário” que o PT pode receber.


Valter Pomar é militante do PT. Entre 1997 e 2013, foi dirigente nacional do PT. Foi secretário de relações internacionais do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário