terça-feira, 23 de junho de 2015

Entrevista ao Wilson Junior sobre o Foro de SP

1. No período em que você foi secretário-executivo do Foro de São Paulo, quais foram as lições mais importantes que você tirou dessa experiência? Desde que saiu do cargo de secretário-executivo, qual é a sua relação com o Foro, quem atualmente ocupa o cargo, e como é feita essa seleção?

A lição mais importante? A de que existir um espaço como o Foro é extremamente útil para a integração latinoamericana e caribenha, bem como para os processos de transformação que estão em curso em cada país. Eu deixei de ser secretário-executivo do Foro de SP em novembro de 2013. Desde então, a única relação que mantenho com o Foro é de leitor das resoluções. A secretária-executiva atual do Foro é a companheira Monica Valente. A tradição é: a pessoa que ocupa a secretaria de relações internacionais do PT também assume a secretaria-executiva do Foro de SP.

2. Na sua opinião, quais foram as maiores conquistas do Foro de São Paulo na última década, e quais são os seus maiores desafios hoje? Em que pontos o Foro de São Paulo é diferente do que era quando começou?
A maior conquista do Foro é ter contribuído para transformar a região, num sentido progressista e de esquerda. O Foro de SP quando começou era composto basicamente por partidos de oposição. Hoje, cresceu a presença de partidos que participam dos seus respectivos governos nacionais. Isto é uma das principais diferenças. Não sou a pessoa adequada para falar dos desafios, isto compete a quem está participando, o que não é o meu caso.

3. O Foro de São Paulo se apresenta como um foro de debates da esquerda latino-americana, criado para se contrapor ao neoliberalismo, com grande ênfase em uma maior integração da América Latina e Caribe. A proposta é similar à do Fórum Social Mundial? Qual seria a principal diferença? Ainda, qual é a relação do Foro com a Unasul? Você acredita que muitas idéias desenvolvidas no Foro influenciam o modus operandidesse órgão?

O Foro de São Paulo surge antes do Fórum Social Mundial. E, num certo sentido, ajuda a criar o ambiente que tornou possível a existência do FSM. O Foro de SP reúne partidos políticos. Já o FSM cria uma série de restrições à presença dos partidos. O Foro de SP consensua um plano de ação e uma visão comum, há setores do FSM que se opõem a isto. O Foro de SP contribuiu indiretamente para as inflexões no Mercosul, bem como para a criação da Unasul e da Celac. Num sentido muito geral, muito genérico, é possível dizer que as ideias desenvolvidas no Foro estão presentes na ação da Unasul.

4. Em "Notas Sobre as Relações Internacionais do PT", fica evidente que você dá grande importância ao tema, e é uma referência como quadro teórico desse campo no Partido dos Trabalhadores. Como você acha que a sua visão e a do Foro influenciaram e influenciam as políticas externas do PT, e como governo do Partido dos Trabalhadores poderia melhorar nesse campo?

Não sou a pessoa adequada para responder como minha visão influenciou e influencia a política de relações internacionais do PT. Desde que sai da secretaria executiva do Foro, nunca mais participei de nenhuma atividade partidária para debater as relações internacionais. O PT influenciou e foi influenciado pelo Foro de SP. No caso do governo Lula, a influência principal foi do setor progressista, democrático, nacionalista do Itamaraty.
5. Muitos partidos de esquerda da América Latina e Caribe fazem parte do Foro de São Paulo, conforme a lista disponibilizada no próprio site oficial do Foro. No entanto, todos os partidos têm igual importância e engajamento nas atividades e nas convicções ideológicas do Foro de São Paulo?

Não sei como é hoje. No período em que fui secretário, havia um engajamento desigual. Mas importância todos têm, até porque o sistema de funcionamento do Foro não vincula participação com tamanho ou assiduidade.


6. Você é membro do diretório nacional do PT, tendo sido já Secretário de Assuntos Internacionais. Qual é o papel do PT no Foro de São Paulo? É possível afirmar que o PT e o Partido Comunista Cubano conceberam o Foro desde o princípio, e ainda hoje ocupam uma posição estratégica fundamental para a estratégia socialista latino-americana?

Eu fui membro do DN de 1997 até 2013. Desde dezembro de 2013 eu sou suplente da direção. O PT e o PC de Cuba foram decisivos na criação do Foro e cumprem um papel importante para sua existência até hoje. Ambos partidos continuam sendo muito importantes na definição dos destinos da região.

7. No livro "A Estrela na Janela", bem como em diversos escritos seus, fica evidente que, na sua opinião, o caminho mais progressista para o Brasil passa pela integração latino-americana, possibilitada pela eleição de governantes de esquerda ligados ao Foro de São Paulo. Você acha que hoje a América Latina está mais perto de atingir esse fim de ser uma "Pátria Grande", ou uma "URSAL" (expressão utilizada nos primeiros anos do Foro para designar a União das Repúblicas Socialistas da América Latina) do que antes de 2003? Quais são os principais obstáculos da atualidade para atingir esse fim?

Depende. Em termos de integração estamos melhor do que em 1990 e pior do que em 2005. Os principais obstáculos? Há os de sempre, que são os Estados Unidos e a classe dominante local. Mas estes não são os decisivos, pois sempre estiveram aí. Os obstáculos decisivos são nossos erros e insuficiências.


8. Qual é a importância do BRICS para a esquerda latino-americana? A aproximação com a Rússia e China é o melhor caminho para a integração latino-americana? O que o PT pode aprender com a China, em termos de experiência socialista? No que consiste o "Seminário Brasil-China", quantas edições já ocorreram, e quais foram os principais proveitos tirados por esse contato com o Partido Comunista Chinês? O trabalho do seu pai, Wladimir Pomar, foi importante para as recentes aproximações entre Brasil e China?


Os BRICS não são importantes em si. Eles são importantes a depender da estratégia que defendamos.
A integração latinoamericana e caribenha pode se beneficiar de uma relação adequada com China e Rússia, bem como com Índia e África do Sul. Mas "o melhor caminho" não é a relação com os BRICs, mas sim aprofundar relação entre nós, países da região.
O mais importante que podemos aprender com a China é a não copiar modelos. Há outros aprendizados, mas este é o principal. Quem pode falar do Seminário Brasil-China são as companheiras Monica Valente e Iole Iliada, esta última vice-presidente da Fundação Perseu Abramo. Não sou a pessoa adequada para avaliar o trabalho do Wladimir Pomar.

9. Hoje existem muitos críticos do Foro de São Paulo, que afirmam que esse é um espaço em que a velha esquerda socialista/comunista anterior à queda do muro de Berlim se rearticulou em uma nova estratégia socialista internacional para o continente latino-americano, de maneira discreta, tendo feito formidáveis avanços com a eleição de tantos presidentes ligados ao Foro. Essa concepção é correta, ou peca em alguns pontos? A proeminência do Partido Comunista Cubano no Foro não colocaria em xeque o caráter democrático do ideal socialista almejado pelo Foro?

Começando pelo final, tudo depende do que entendemos por democracia. E no meu conceito, um dos critérios é: é o povo de cada país que deve dizer a última palavra sobre que democracia deseja. Motivo pelo qual eu acho que determinadas críticas ao PC cubano são anti-democráticas, pois no fundo desejam que lá se implante um sistema eleitoral que favoreça uma minoria pró-EUA. Quanto à concepção que você resume, eu te diria o seguinte: que bom que na América Latina conseguimos criar um espaço onde várias esquerdas cooperam contra os inimigos comuns. Azar dos inimigos, sorte a nossa.

10. Ainda sobre democracia, você acredita que a via socialista é compatível com a subsistência de instituições democráticas, independentes e imparciais? A posse de um poder hegemônico não sacrifica necessariamente a democracia e as liberdades individuais? O socialismo que o Foro almeja é uma etapa intermediária para o comunismo, ou algo mais parecido com um Estado de bem-estar social inclinado à esquerda?

No Foro de São Paulo convivem comunistas, socialistas, social-democratas, nacionalistas etc. E dentro de cada uma destas famílias, há diversas visões. Portanto, não considero possível dar uma resposta precisa à tua pergunta. Minha opinião absolutamente pessoal sobre as tuas perguntas é: 1) eu chamo de socialismo o processo de transição do capitalismo ao comunismo; 2) o chamado Estado de Bem Estar pode existir no capitalismo e no socialismo; 3) democracia não é uma coisa, é uma relação social historicamente determinada, assim como o poder, a hegemonia e inclusive as liberdades individuais; 4) por isso temos exemplos, na história, tanto de ditaduras capitalistas quanto de democracias socialistas; 5) independência e imparcialidade não são valores absolutos: tem que ver em relação ao quê.

11. Outra grande polêmica entre os críticos do Foro de São Paulo é a participação das FARC nos seus encontros. Membros das FARC participam dos encontros hoje, deixaram de participar após a eleição do PT no Brasil, ou nunca participaram? Em uma entrevista, você afirmou que as FARC nunca participaram do Foro, mas Raul Reyes, em uma entrevista à Folha, afirma ter presidido com o ex-presidente Lula um dos encontros do Foro. Essa afirmação procede? O Hugo Chávez também afirma ter conhecido Reyes em um dos encontros do Foro, junta com Lula. Não comprometeria a credibilidade do Foro a convivência entre partidos legais e uma organização guerrilheira clandestina, conhecida por envolvimento em seqüestros e narcotráfico?

Se você leu minhas entrevistas, não tenho porque repetir o que já disse. Está tudo lá. Lembro, adicionalmente, que quando o Foro foi criado, em vários países havia luta armada contra ditaduras. É o caso de El Salvador, por exemplo. O atual presidente de El Salvador era em 1990 um líder guerrilheiro. Por fim, especificamente sobre as FARC, acho que devemos apoiar as negociações de paz que estão em curso em Havana. Certos discursos sobre sequestros e narcotráfico são utilizados para inviabilizar as negociações.

12. Como você vê as críticas, em geral, ao Foro? Há poucos anos, dar importância ao Foro de São Paulo parecia coisa de teóricos da conspiração, mas agora cada vez mais se tem falado a respeito, sobretudo entre militantes de direita. Ontem, por exemplo, um movimento de liberais protestou em frente a um consulado venezuelano em São Paulo, com os dizeres "Fora Foro de São Paulo". Seriam, de alguma forma, sinal do sucesso do Foro de São Paulo, que começa a incomodar determinados setores da sociedade?

Olha, eu gostaria de te responder que sim, que é um sinal de sucesso do Foro. Mas temo que a insistência com que falam do assunto esteja ligado a algo mais simples: estes setores da direita são cavernícolas.

13. Você tem criticado com veemência algumas atitudes do governo Dilma, bem como a atual estratégia predominante do PT, mas sempre como alguém que empreende uma luta dentro do âmbito do Partido. Como se dá essa dialética entre partido e governo? Por que você não considera razoável a atitude de boa parcela da esquerda que rompeu com o PT, afirmando que o Partido se corrompeu ao grande capital, traindo seus ideais socialistas e sua militância? Para que a América Latina seja socialista/comunista, é indispensável que o PT esteja à frente desse processo, ou seria possível formar uma nova frente de esquerda que dispense o PT?

O sucesso da integração depende, em boa medida, dos rumos que Brasil, Argentina e Venezuela adotarem. Os rumos do Brasil dependem, em boa medida, das opções feitas pelo PT. No atual período histórico, não considero possível avançar na integração sem o PT ou contra o PT. Por outro lado, com o PT é possível tanto avançar quanto recuar.
Isto posto, quem transforma o PT em inimigo principal acaba de braços dados com a direita. Agora, se formos derrotados, não será por culpa destas pessoas. Será por culpa nossa. Especialmente daqueles que insistem em manter uma estratégia política superada pela realidade.

14. Por que você acha que a tendência majoritária do PT está adotando uma postura "suicida", ao não mudar de estratégia? Você tem afirmado a necessidade do PT mudar sua política de alianças, sobretudo rompendo com partidos como o PMDB, mas isso não tornaria altamente improvável sua eleição, ou ainda sua governabilidade impraticável?

Olhe a realidade: que tipo de governabilidade é possível atualmente, tendo o PMDB como "aliado principal"? Olha o passado recente: o PMDB era "aliado principal" nas eleições de 2002 e 2010? A aliança estratégica com o PMDB foi uma opção errada, não era necessária nem inevitável. E está nos conduzindo a derrota. Mudar de estratégia é arriscado? Claro. Mas melhor correr um risco do que caminhar bovinamente para o matadouro.
15. É possível que o PT possa levar adiante seu programa pro Brasil, bem como praticar as resoluções do Foro de São Paulo, sem mudar o quadro institucional atualmente estabelecido?
O PT não tem que aplicar as resoluções do Foro. O Foro não centraliza ninguém, não impõe suas resoluções a nenhum de seus integrantes. O PT tem que aplicar as resoluções do PT. E as resoluções do PT falam que é preciso uma reforma política profunda, porque a atual institucionalidade é um obstáculo para as reformas estruturais que o Brasil necessita.

16. Em 2005, o então presidente Lula, em comemoração aos 15 anos do Foro de São Paulo, afirmou: "Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política." A partir daí, muitos passaram a entender o Foro como uma organização discreta, interferindo, com suas resoluções, a política dos países, "sem que parecesse", com seus partidos obedecendo a uma agenda socialista/comunista que não explicitam em seus programas eleitorais, mas cumprem em obediência ao Foro. Você acha que as palavras do Lula foram mal interpretadas?

Não sei se entendi a tua dúvida. A frase do Lula é correta. A agenda do Foro não é "socialista" nem "comunista". A agenda do Foro é antineoliberal, antiimperalista, pró-integração regional.
E, como já disse, ninguém obedece ao Foro, pois o Foro não manda em nenhum dos partidos que o integram. Por outro lado, veja: em todos os países da região, há partidos socialistas e comunistas atuando, participando das eleições, governando etc. Portanto, a existência de uma "agenda" socialista ou comunista, defendida pelos respectivos partidos socialistas e comunistas, faz parte da paisagem, exceto é claro para os saudosos das ditaduras.

17. Por fim, é possível dizer que o PT passou por uma "metamorfose", para usar uma expressão sua, e perdeu seu projeto ideológico de vista, ou o PT apenas não fez reformas mais profundas no Brasil, como Cuba ou Venezuela, porque o Brasil vive uma conjuntura diferente que ainda não permite isso, mas talvez um dia permitirá uma democratização mais profunda?

O Brasil vive uma conjuntura diferente. Agora, esta conjuntura diferente poderia ser diferente e com reformas. Se nossa conjuntura é diferente e sem reformas, isto está ligado a determinadas opções feitas (e outras não feitas) pelo PT.

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