sexta-feira, 22 de maio de 2015

Entrevista sobre o PED e outros assuntos

Segue abaixo íntegra de entrevista concedida à jornalista Gabriela Megale do jornal Folha S. Paulo. Pequeno trecho foi publicado pelo jornal.

A militância petista merece mais democracia do que apenas votar uma vez a cada 4 anos. 


A tese da Articulação de Esquerda se coloca claramente contra o financiamento empresarial. No entanto, outras correntes petistas defendem que os candidatos devem poder receber doações de empresas até a aprovação da reforma política, que vetaria o recurso a todos os partidos. O que o senhor é favorável ou cotra essa proposta? Acredita que o ideal seria o PT proibir desde já qualquer tipo de doação partidária?

Nós somos favoráveis a proibir desde já todo e qualquer financiamento empresarial. Um partido de trabalhadores não pode depender de recursos do grande capital. E devemos dar o exemplo que é possível fazer política e inclusive campanhas eleitorais de outra forma. Como já fizemos, aliás.

Acredita que o PT sabe fazer campanhas com poucos recursos ou terá que aprender?

O PT tem 35 anos. Durante a maior parte de nossa vida, fizemos campanha com poucos recursos. E uma parte do PT continua até hoje fazendo campanha com poucos recursos. Portanto, uma parte de nós vai ter que reaprender, outra parte vai ter que aprender e outra parte vai fazer o que já faz: campanhas politizadas e com poucos recursos.

Atualmente o PT conta com financiamento via Fundo Partidário, doação de filiados e doações de empresas. Para o senhor, qual seria o modelo ideal para sustentar o partido? Como seria possível garantir a "autonomia financeira" proposta na tese?

Na minha opinião, os partidos políticos devem ser financiados exclusivamente com recursos de seus próprios filiados e simpatizantes. Já as campanhas eleitorais devem ser financiadas exclusivamente com recursos públicos.

A tese também defende a instalação de uma corregedoria interna para levantar a infiltração de corruptos do partido. Como essa corregedoria funcionaria? Como essa proposta foi recebida pelas demais correntes?

Esta proposta é antiga e já foi apresentada diversas vezes. Ela foi parcialmente incorporada no atual estatuto do Partido. A corregedoria deve funcionar como em outras instituições que dispõem deste mecanismo. Evitaria sermos surpreendidos por fatos consumados. Espero que as demais tendências do Partido apoiem.

A Articulação de Esquerda também defende o fim do PED. Quais os principais problemas que esse sistema de eleição interna apresenta, na visão do senhor?

Recomendo que voce leia um texto que escrevi a respeito, quando o PED foi instituído.  O texto está aqui: http://valterpomar.blogspot.com.br/2014/04/textos-velhos-de-quando-cristovam.html
Desde então e até hoje o PT realizou PED nos anos de 2001, 2005, 2007, 2009 e 2013. A experiência destes PEDs confirmou, no fundamental, os problemas que apontávamos.
O PT precisa de militância organizada. O PED estimula um tipo de relação entre o filiado e o Partido semelhante a que existe entre o eleitor e as instituições tradicionais, a saber: votar e voltar para casa.
O PT precisa de mais debate. O PED estimula o voto desvinculado da participação nos debates.
O PT precisa de mais pluralidade. o PED estimula o blocamento de posições, favorecendo quem faz parte de tendências e prejudicando o filiado que não faz parte de tendências.
Por fim, o PED favorece e facilita a introdução, entre nós, de práticas de corrupção eleitoral.
Por tudo isto, sou favorável a volta do sistema eleitoral que prevalecia até 2001, no qual as direções eram eleitas por delegados e delegadas. após debate presencial, em encontros partidários.

Alguns petistas acreditam que o problema em extinguir o PED e retomar a eleição feita por delegados pode dar espaço para críticas na linha de que o PT estaria defendo um processo menos democrático para suas eleições internas. Qual sua opinião sobre essa questão?

Depende. Se quem fala isto é um militante de base, eu respeito a crítica e vou tentar convencer a pessoa do contrário. Mas se é um dirigente quem fala isto, eu considero demagogia pura e simples. Pois não posso considerar como o máximo de democracia possível um sistema onde meu único direito é, uma vez a cada 4 anos, depositar meu voto a favor de uma chapa. A militância petista merece mais democracia do que apenas votar uma vez a cada 4 anos.

Acredita que se o PED for mantido mas se a necessidade de pagar para votar for extinta o sistema pode melhorar?

O PED tem vários defeitos fundamentais.
1) estimula um tipo de relação entre o filiado e o Partido semelhante a que existe entre o eleitor e as instituições tradicionais, a saber: votar e voltar para casa;
2) estimula o voto desvinculado da participação nos debates;
3) favorece quem faz parte de tendências e prejudica o filiado que não faz parte de tendências.
4) favorece e facilita a introdução, entre nós, de práticas de corrupção eleitoral.
A proposta de manter o PED, mudando apenas a necessidade de pagamento, mantém os três primeiros defeitos intocados.
E resolve só uma parte do quarto problema.
Explicando: as práticas de corrupção eleitoral envolvidas no sistema do PED são pelo menos as seguintes:
1) a contribuição do filiado para com o PT é paga por outra pessoa, não pelo filiado;
2) o filiado é transportado para votar;
3) o filiado recebe algum estímulo extraordinário para votar numa determinada chapa.
Eliminar a necessidade de pagar para votar supostamente eliminaria a primeira destas práticas.
Mas não tocaria nas demais. Na prática, o corruptor teria mais dinheiro sobrando para investir nas duas outras práticas.
Com um agravante: o PT precisa convencer seus militantes a contribuir para com o Partido. E exatamente neste momento tem gente propondo decidir que nas eleições internas, que decidem a direção e o programa do Partido, nestas eleições para votar não será preciso contribuir com o Partido.
Convenhamos, há algo de contraditório entre uma postura (pedir apoio financeiro) e outra (dispensar a contribuição financeira, que ademais é uma prova de compromisso militante).
No PED 2013 denunciei diversos casos de pagamento de cotização de filiados por terceiros. Ou seja, as pessoas votavam porque pagavam a cotização delas. Este problema não se resolve tirando o bode da sala.
Por tudo isto, sou favorável a volta do sistema eleitoral que prevalecia até 2001, no qual as direções eram eleitas por delegados e delegadas. após debate presencial, em encontros partidários.

Qual posicionamento o senhor acredita que o partido deve adotar diante do governo em relação a autonomia de pautas e agendas? Como defende que o partido deve se posicionar diante de medidas que vão contra suas bandeiras históricas como o ajuste fiscal?

O Partido deve analisar caso a caso, mas como regra geral deve votar de acordo com o programa do Partido e nosso programa não inclui votar a favor de medidas que prejudicam a classe trabalhadora.

Na tese a corrente a qual o senhor pertence defende outro tipo de ajuste fiscal. Como ele seria?

Basicamente: que os ricos paguem a conta. Por exemplo através do Imposto sobre Grandes Fortunas e a redução da taxa de juros.

Qual deve ser a estratégia petista para se reaproximar dos movimentos sociais? Quais grupos devem ser tratados com mais prioridades?

A resposta pode ser longa ou curta. Vou escolher a curta: para reaproximar dos setores da classe trabalhadora que estão descontentes conosco, a melhor fórmula é o governo aplicar o programa que foi vitorioso no segundo turno das eleições de 2014. Zero Levy, zero Cunha.

Na tese de vocês é defendida a formação de uma "frente popular orgânica com aqueles setores que integram o campo democrático-popular, por exemplo outros partidos de esquerda e entidades históricas da classe trabalhadora e da juventude, como a CUT, UNE, MST, MNLM, CMP, CONAM e outras". Como ela funcionaria? Não acha que ela poderia acabar se tonando uma frente de oposição ao governo?

Funcionaria da mesma forma que funcionou no segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Naquele momento, demonstramos que uma frente deste tipo era fundamental para eleger Dilma. E quem ajudou a eleger, ajuda a governar.

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