sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Desafios e propostas

VERSÃO PRELIMINAR PARA DEBATE NA DNAE

Projeto de resolução para debate e deliberação no Segundo Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda

O segundo congresso da tendência petista Articulação de Esquerda vai ser realizado no Instituto Cajamar (SP), de 2 a 4 de abril de 2015. Simultaneamente, ocorrerá a Conferência sindical da tendência.

A pauta do segundo congresso da AE inclui os seguintes pontos: 1) balanço das eleições 2014; 2) desafios e propostas para o segundo mandato Dilma Rousseff, para a luta social, para a comunicação e cultura, para os governos/parlamentos estaduais e municipais, para as eleições 2016 e 2018; 3) nossas propostas de reforma programática, estratégica e organizativa do Partido dos Trabalhadores; 4) atuação e organização da Articulação de Esquerda; 5) eleição da nova direção nacional da Articulação de Esquerda e da Comissão de ética nacional.

A seguir apresentamos projetos de resolução sobre o ponto 2 da pauta: “desafios e propostas para o segundo mandato Dilma Rousseff, para a luta social, para a comunicação e cultura, para os governos/parlamentos estaduais e municipais, para as eleições 2016 e 2018”.

Desafios e propostas

1. A vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2014 foi a vitória daqueles que defendem combinar desenvolvimento com democracia, bem estar social, soberania nacional e integração regional.

2. Contudo, a vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso nacional mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição de governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes. Derrotamos o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010 o campo conservador esteve tão perto de recuperar a Presidência.

3. Tomado de conjunto, considerando em particular o quadro econômico nacional e internacional, o cenário pós-eleitoral é bastante difícil. A este quadro soma-se a chamada Operação Lava Jato, não apenas por seus efeitos políticos e midiáticos, mas também por seu impacto sobre a Petrobrás, sobre outras empresas e sobre o conjunto da economia.

4. Em síntese: nas eleições presidenciais de 2014, impedimos o retrocesso que seria causado por uma vitória da oposição de direita, mas não criamos as condições institucionais necessárias para fazer um segundo mandato superior.

5. Os derrotados na eleição presidencial perceberam isto desde o primeiro momento. Questionaram formalmente o resultado, inclusive promovendo uma “recontagem” de votos. Estimularam e participaram de manifestações nas quais setores de ultradireita pediram por uma ditadura militar. Não escondem sua disposição de sabotar e até mesmo interromper o mandato presidencial que ora se inicia. Mantém intensa pressão política e midiática em favor da aplicação do programa derrotado nas urnas.

6. Frente a tudo isto, a presidenta Dilma Rousseff tinha três opções fundamentais.

7. A primeira opção seria aplicar integral e imediatamente o programa vitorioso no segundo turno da campanha presidencial.

8. Esta hipótese, para ser exequível e exitosa, dependeria do governo, do PT e de seus aliados na esquerda partidária e social superarem também integral e imediatamente seus atuais déficits de organização, mobilização e consciência. O que teria como pressuposto a adoção de outra estratégia, não apenas por parte do Partido e aliados de esquerda, mas também por parte da própria presidenta.

9. A segunda opção seria fazer mediações entre o programa vitorioso nas eleições presidenciais, as debilidades do campo popular, o poderio demonstrado pela oposição de direita, os níveis de infidelidade na chamada base de governo e as circunstâncias difíceis deste início de mandato.

10. Nesta hipótese, o governo iniciaria a aplicação do programa vitorioso nas eleições, mas num ritmo que permitiria ao próprio governo, ao PT e aos seus aliados na esquerda partidária e social superar seus atuais déficits de organização, mobilização e consciência. Portanto, as mediações visariam ganhar tempo, tempo necessário à criação das condições para transitar da atual estratégia (baseada em melhorar a vida do povo através de políticas públicas) para outra estratégia (baseada em melhorar a vida do povo através da combinação entre políticas públicas e reformas estruturais).  

11. A terceira opção seria fazer concessões programáticas aos que perderam a eleição.

12. Quando falamos de concessões programáticas, não nos referimos principalmente à composição do ministério. Afinal, dada a política de alianças e o resultado eleitoral, era previsível que o ministério do segundo mandato Dilma incluiria personagens incompatíveis com um programa democrático-popular, com reformas estruturais, com transformações mais profundas, como aliás tem sido até aqui.

13. Quando falamos de concessões programáticas, tampouco nos referimos a aspectos do programa. Pelos mesmos motivos citados no ponto acima, é óbvio que no conjunto das ações do segundo mandato Dilma haveria iniciativas do interesse de aliados de direita e de setores do grande capital.

14. Quando nos referimos a concessões programáticas, nos referimos a adoção de uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas. Falamos, portanto, de um tipo de concessão que contamina todo o governo, todas as políticas públicas, o conjunto da economia, da sociedade e da política brasileira.

15. Embora em nenhum momento isto tenha sido dito desta forma, os fatos nos indicam que a presidenta Dilma Rousseff escolheu esta terceira opção.

16. O ajuste fiscal implementado pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa vai provocar recessão. A lógica de cortar “despesas” trabalhistas (MPs 664 e 665) e aumentar juros beneficia o setor financeiro e seus sócios, em detrimento do restante da sociedade.

17. Um país que crescia pouco ou não crescia, necessitava de outro tipo de “ajuste fiscal”. O Brasil necessitava e segue necessitando de um “ajuste fiscal” que transfira recursos da especulação para a produção, da minoria rica para a maioria trabalhadora. Só desta forma será possível combinar a recomposição da indústria – sem a qual não há crescimento nem desenvolvimento – com a ampliação do bem estar social.

18. A opção pelo ajuste fiscal através de medidas recessivas não é novidade no Brasil. Agora, como nos 1980 e 1990, seus defensores argumentam que reduzindo os ganhos dos trabalhadores, espera-se que os capitalistas se vejam estimulados a investir, com isso a economia volta a crescer e no final "todos ganham", ainda que alguns ganhem mais do que os outros.

19. Todos sabemos quais foram os efeitos deste "modelo" nos anos 1980 e 1990, no Brasil. E todos estamos vendo sua aplicação produzir um desastre político e social em parte da Europa.

20. Evidente que Nelson Barbosa e Joaquim Levy são obrigados, ao implementar este "modelo", a levar em considerações certos limites impostos pela presidenta, que assumiu compromissos públicos no processo eleitoral, não apenas com seus eleitores, mas com a tão citada nação brasileira.
21. Entretanto, os seguidos aumentos da taxa de juros; o veto ao reajuste da tabela do IR; as alterações previstas nas MP 664 e 665; a decisão de não vetar o artigo 143 da Medida Provisória 656/2014, que permite investimentos estrangeiros nos serviços de saúde; e a proposta de abertura do capital da Caixa Econômica Federal revelam que os limites impostos pela presidenta tendem a ser atropelados pela lógica global das medidas.
22. A opção por uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas está tornando a situação mais perigosa do que já era: a) uma conjuntura por si já extremamente complexa; b) os efeitos das medidas recessivas citadas; c) uma oposição que continua belicosa, estimulada por d) uma mídia que interpreta as medidas do governo como prova de que tinham razão no debate eleitoral; e) demandas políticas e sociais pendentes, especialmente de políticas urbanas e agrárias; f) importantes movimentos sociais – com destaque para a CUT e outras centrais sindicais – convocando mobilizações contra as medidas do governo; g) dúvidas, confusão e conflitos em segmentos crescentes da base eleitoral, social e militante que elegeu a presidenta Dilma.

23. Todos sabíamos que o segundo mandato Dilma Rousseff seria um governo em disputa, como foram os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma. Portanto, estava óbvio que seria necessária forte mobilização, tanto para apoiar o governo contra a direita e o grande capital, quanto para enfrentar determinadas políticas resultantes de um governo de coalizão – o que nos obrigaria a reforçar o PT e a construir uma frente orgânica com os aliados da esquerda partidária e social, em defesa das reformas estruturais.

24. Mas a opção por uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas ameaça mudar perigosamente os termos da equação. Pois uma coisa é mobilizar contra aspectos da política do governo, ao mesmo tempo que se concorda com o fundamental; e outra coisa profundamente diferente é mobilizar contra aspectos fundamentais da política do governo, contra concessões programáticas centrais que o governo faz ao grande capital e à direita.

25. Noutras palavras: a opção feita pela presidenta Dilma Rousseff, a favor de uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas coloca o Partido dos Trabalhadores e o conjunto da esquerda que nos ajudou a vencer as eleições de 2014 frente a uma encruzilhada extremamente perigosa e totalmente desnecessária.

26. As pesquisas de opinião pública divulgadas após as eleições de outubro de 2014 não refletiam nada do que dissemos até agora. Pelo contrário, os números indicavam um crescimento no apoio à presidenta e ao governo. Contudo, a experiência de 2013 e 2014 nos ensinou a não confundir a foto com o filme. E isto foi confirmado nas pesquisas de opinião divulgadas em fevereiro de 2014, mostrando uma queda acentuada no apoio à presidenta, ao governo e ao PT.

27. Certamente, há petistas que acreditam sinceramente que o “ajuste” perseguido por Levy e Barbosa é necessário, virtuoso e pode contribuir para avanços posteriores rumo à “revolução democrática”. Assim como sempre há quem aplauda qualquer aliança e qualquer ação do governo. Contudo, a justa reação da Central Única dos Trabalhadores contra a abertura do capital da Caixa Econômica Federal e contra as MP 664 e 665 demonstra que na militância é crescente a preocupação com as opções feitas pelo governo.

28. A preocupação é reforçada pela matemática da política. Ocorre que não atuamos na correlação de forças de 2002, 2006 ou 2010. Estamos nos marcos da correlação de forças de 2014, o que significa dizer que relativamente pequenas defecções em nossa base podem nos levar a uma derrota global.

29. Evidente que os atos iniciais de um governo não obrigatoriamente determinam seu desfecho. Neste sentido, é bom lembrar que tanto o primeiro governo Lula (2003-2006) quanto o primeiro governo Dilma (2011-2014) começaram fazendo concessões similares à oposição de direita, ao neoliberalismo.

30. Tanto em 2003 quanto em 2011, aquelas concessões foram produto de uma opção estratégica feita pela maioria do PT, a saber, a de melhorar a vida do povo através de políticas públicas.

31. Nos anos 1980 e em parte dos anos 1990, a opção do PT era melhorar a vida do povo através da combinação entre políticas públicas e transformações estruturais. Esta opção estratégica supunha travar grandes conflitos e realizar rupturas, em que só teríamos êxito se soubéssemos combinar atuação partidária, grandes batalhas culturais, luta social e ação institucional.

32. A partir de meados dos anos 1990, o PT majoritariamente inclinou-se para outra estratégia, a de melhorar a vida do povo através de políticas públicas. Acreditava-se que este caminho seria menos conflituoso e dispensaria rupturas, pois afinal de contas não estaria em questão fazer transformações estruturais. Pelo mesmo motivo, ampliou-se ao centro e à direita o nosso arco de alianças e a nossa ação coletiva foi concentrando-se nas instituições, deixando de lado grande parte da antiga ênfase acerca do papel estratégico da vida partidária, da luta social e da batalha cultural.

33. A história dos últimos 12 anos, entretanto, revela que enquanto a esquerda moderava sua estratégia, os setores hegemônicos da direita e do grande capital radicalizaram sua oposição. Para tais setores, trata-se de impedir que o povo melhore de vida por ação do Estado. E, por isso, quando nosso governo introduz políticas públicas vigentes em países da Europa, aqueles setores da direita e do grande capital reagem como se estivéssemos promovendo uma revolução socialista.

34. Para os setores hegemônicos da direita e do grande capital, pouco importa o que façamos, importa quem somos, o que expressamos como projeto de sociedade. Por isto, trabalham para destruir o PT e o conjunto da esquerda. Neste contexto, insistir numa estratégia que a realidade vem superando, não é apenas um erro: é um suicídio.

35. Implementar, mesmo que parcialmente, o programa dos derrotados na eleição contribui para confundir, desorganizar e dispersar as forças que venceram as eleições presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.

36. Assim, a sobrevivência do PT como partido da classe trabalhadora, a sobrevivência da esquerda brasileira como representante do campo popular, exige fortalecer os setores petistas que defendem a superação da atual estratégia e convencer a maioria do Partido e o governo da necessidade de mudar de rumo.

De volta para o futuro: rumo a um segundo mandato superior

37. Não se trata de atribuir ao governo estrito senso a solução dos problemas estratégicos, como se estes fossem resolvidos através de atos administrativos como a substituição de ministros, embora isto também deva ser feito, especialmente nas áreas econômica, de cidades e agricultura.

38. Entretanto, há problemas cuja solução depende no fundamental de políticas de governo. Entre estas destacamos três: mudar a política econômica, democratizar a comunicação e realizar a reforma política.

39. Uma das condições de êxito de nosso projeto é a retomada do crescimento econômico, com ênfase no fortalecimento da capacidade industrial do Brasil.

40. Trata-se de reverter o quadro de desindustrialização e desnacionalização, construindo uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos, para induzir o desenvolvimento a partir de uma perspectiva de desenvolvimento democrático e popular. Em termos práticos, isso demanda: 1) redução nas taxas de juros, para estimular investimentos produtivos; 2) taxas de câmbio administradas, que elevem a competividade dos manufaturados brasileiros no mercado internacional e não prejudiquem a importação de bens de capital para a indústria; 3) reforma tributária que taxe fortemente o capital entesourado e as heranças, estimule o capital produtivo e desonere os rendimentos do trabalho; 4) aplicação firme das leis contra a formação de cartéis, oligopólios e monopólios; 5) criação de empresas estatais que induzam os setores privados, principalmente médios e pequenos, a produzir ciência, tecnologia e inovação, adensar as cadeias produtivas nacionais e realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola; 6) ampliar a produção de alimentos, através de mudanças na política agrícola e na estrutura agrária; 7) melhorar as condições de vida da maior parte da sociedade, especialmente fortalecendo econômica, política e culturalmente a classe trabalhadora assalariada.

41. A história demonstra que, nos momentos de crise como os que vivemos, é o Estado que deve tomar a iniciativa de comandar o processo de manutenção e ampliação dos investimentos necessários. Motivo pelo qual reafirmamos nossa defesa do caráter público da Caixa Econômica Federal e nossa exigência por uma redução expressiva e imediata da taxa de juros.
42. Nos últimos anos, o governo brasileiro esforçou-se para impedir que o impacto da crise internacional atingisse os setores populares. Isto teve um alto custo fiscal, criando dificuldades orçamentárias neste início do segundo mandato Dilma Rousseff. Estas dificuldades fiscais devem ser enfrentadas, principalmente, através da redução da taxa de juros, do imposto sobre as grandes fortunas, revisão de subsídios e isenções, progressividade no imposto de renda e demais medidas tributárias que façam os ricos deste país pagarem a conta necessária para superar a crise e retomar o crescimento.
43. Além disso, coerente com o compromisso firmado pela presidenta Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral, de manutenção dos direitos sociais e trabalhistas, o Governo deve retirar as MPs 664 e 665.

44. A mudança na política econômica – seja abandonando a lógica do ajuste fiscal recessivo, seja trilhando o caminho da industrialização com soberania nacional e sustentabilidade ambiental – exigirá uma imensa batalha política. Nossas chances maiores ou menores de êxito nesta batalha dependem de alterações imediatas na política de comunicação.

45. Quando fala de Pátria Educadora – sem entrar no mérito do nome utilizado ou das concepções pedagógicas envolvidas – a presidenta Dilma de fato enfatiza a formação da mão de obra. Sem em nenhum momento reduzir a importância da elevação do nível educacional técnico e profissional do conjunto da população brasileira, entendemos que é necessário abordar de outra forma o problema.

46. Não haverá mudança social profunda no Brasil, se isto não for acompanhado por uma mudança cultural na visão de mundo da maioria da população brasileira. Necessitamos tornar hegemônicos os valores democráticos, populares e socialistas. Mas o que temos assistido desde 2003 é uma reação das ideias conservadoras em todos os terrenos. Isto se deve, em parte, ao fato de que não houve nenhuma mudança estrutural no terreno da cultura, da educação e da comunicação. Ao contrário: o grande capital e a direita não apenas mantiveram como ampliaram sua ofensiva em cada um destes terrenos.

47.Cabe ao governo alterar esta situação. No terreno da Cultura, trata-se em primeiro lugar de superar o modelo baseado na Lei Rouanet. No terreno da Educação, de combinar a ampliação de vagas com o fortalecimento do setor público, a valorização do profissional da educação e a mudança no projeto pedagógico. No terreno da comunicação, trata de apoiar a aprovação da Lei da Mídia Democrática e implementar as principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009.

48. A presidenta Dilma Rousseff evoluiu da posição conservadora de 2010, quando dizia que o único controle de mídia que aceitava era o controle remoto. Hoje ela admite a necessidade de uma regulação econômica, que se for aplicada com rigor produzirá a quebra do oligopólio.

49. Entretanto, é preciso ir além e rápido: mudar o conjunto da política de publicidade; apoiar a mídia democrática; e adotar uma postura ofensiva, da parte do governo, na comunicação com a sociedade. A comunicação governamental não pode continuar sendo um assunto de agências publicitárias. É impossível defender com êxito o governo, se o próprio governo não se defende adequadamente.

50. O centro da questão está em entender que o governo é uma instituição política, não apenas administrativa. Este é, aliás, o único aspecto racional do ataque que a direita faz contra o chamado e mal denominado bolivarianismo. Em outros governos progressistas e de esquerda latino-americanos, compreende-se claramente que o papel do governo é não apenas administrar, é também liderar politicamente. No Brasil, especialmente na gestão Dilma Rousseff, tem prevalecido uma lógica administrativista e tecnicista.
51. Talvez por isto, o compromisso com a reforma política – assumido em junho de 2013, na campanha eleitoral e no discurso de posse – vem sendo desidratado.
52. No discurso feito na primeira reunião ministerial, a presidenta Dilma reafirmou que “colocaremos como prioridade, já neste primeiro semestre, o debate deste tema com a sociedade. Sabemos que esta é uma tarefa do Congresso Nacional, mas cabe a nós impulsionar esta mudança, para instituir novas formas de financiamento das campanhas eleitorais, definir novas regras para escolha dos representantes nas casas legislativas, e aprimorar os mecanismos de interlocução com a sociedade e os movimentos sociais, reforçando a legitimidade das ações tanto do Executivo quando do Legislativo”.
52. Nada foi dito pela presidenta acerca de temas como a Constituinte e o Plebiscito. Tampouco se fez a defesa explícita do fim do financiamento empresarial, do voto em lista, do fim das coligações proporcionais, da paridade de gênero etc. Acontece que se o governo não impulsionar estas mudanças concretas, prevalecerá o "protagonismo" do Congresso, com o risco de ser aprovada uma contrarreforma conservadora, a exemplo do “distritão” do PMDB e da proposta coordenada pelo trânsfuga Vaccarezza.
53. Atualmente, os principais projetos ou campanhas que tratam da reforma política são os seguintes:
a)  PDL 1508/2013 - projeto de decreto legislativo apresentado pela campanha do Plebiscito da Constituinte e subscrito por mais de um terço dos deputados na Câmara. Também foi protocolado outro projeto com o mesmo teor no Senado Federal. Dispõe sobre a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta do plebiscito popular de setembro de 2014: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”

b) PEC 352/13 - proposta de emenda constitucional elaborada pelo GT da Câmara dos Deputados, cujo relator foi o ex-deputado Cândido Vaccarezza. Foi retomada por Eduardo Cunha nas últimas semanas e constitucionaliza o financiamento empresarial da política, uma modalidade de voto distrital, o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os níveis, a criação de cláusula de barreira, a unificação do prazo mínimo de filiação para a elegibilidade em seis meses, entre outros retrocessos.

c)  Formulário do abaixo-assinado do projeto de iniciativa popular de reforma política do PT. Consta os quatro principais pontos defendidos pelo partido: 1) financiamento público exclusivo de campanhas políticas; 2) Voto em lista preordenada para os parlamentos; 3) Aumento compulsório da participação feminina nas candidaturas; 4) Convocação de Assembleia Constituinte exclusiva sobre Reforma Política.

d) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4650), de iniciativa da OAB, questiona o financiamento de empresas aos partidos políticos e nas campanhas eleitorais. Já reúne maioria de 6 votos a 1 a favor da proibição do financiamento empresarial, mas desde abril de 2014 o ministro Gilmar Mendes pediu vistas da ação e não devolve para terminar o julgamento.

e)  Projeto de Lei da Coalização pela reforma política democrática e eleições limpas (PL 6316/13). Impulsionada pela OAB, CNBB e outros movimentos, tem como principais eixos: 1) "financiamento democrático" de campanha (proibição da doação empresarial e doação de pessoa física em até R$ 700); 2) Eleição proporcional em dois turnos (1º no partido, depois no candidato); 3) Paridade de gênero na lista pré-ordenada e 4) ampliação dos instrumentos de democracia direta.

54. Desde a eleição do Eduardo Cunha, estamos sofrendo uma ofensiva da direita no debate da reforma política. Na verdade, a direita mudou de tática sobre o tema. Se antes atuava para impedir a aprovação dos projetos da esquerda no Congresso Nacional, agora quer aprovar sua própria proposta de reforma política.

55. Como um de seus primeiros atos, o novo presidente da Câmara submeteu e o plenário da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional 352/13, a PEC Vaccarezza/Henrique Alves, que estava até então na Comissão da Constituição e Justiça.

56. Desde 2013, o PT e a sua bancada têm posição contrária à PEC por considerá-la uma contrarreforma política.

57. Para incidir nas próximas eleições, a direita trabalha com a meta de aprovar a contrarreforma no Congresso até o final de setembro e atua em jogo combinado com o ministro do STF Gilmar Mendes, que segura há 11 meses uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI 4650) de iniciativa da OAB que propõe o fim do financiamento empresarial.

58. No STF, a ação já alcançou a maioria de 6 a 1 favorável à proibição. No entanto, se a PEC da contrarreforma for aprovada neste meio tempo, constitucionalizando o financiamento empresarial, corremos o risco da ação ser prejudicada.  Daí a importância do movimento “Devolve, Gilmar”.

59. Por sua vez, cabe a presidenta Dilma reafirmar, como presidenta, os compromissos feitos na campanha eleitoral com uma reforma política democrática, especialmente com o fim do financiamento privado empresarial, com a Constituinte e com o plebiscito.

Governos e parlamentos: preparar as eleições 2016 e 2018

60. Como já dissemos, a vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso nacional mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição de governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes.

61. A oposição de direita pretende aprofundar sua hegemonia institucional, nas eleições municipais de 2016 e nas eleições gerais de 2018.

62. Frente a isto, o Partido deve abandonar o discurso de que “a oposição não aceita que a eleição acabou” e adotar um discurso que explique ao povo brasileiro o que está em jogo, a importância de se organizar nos movimentos populares e instrumentos de luta dos trabalhadores e das trabalhadoras e de apoiar os governos e parlamentares vinculados à esquerda, a necessidade de pressionar os parlamentos e governos de direita e a inevitabilidade de novos confrontos eleitorais em 2016 e 2018.

63. A atenção dedicada pelo PT aos rumos do governo Dilma Rousseff não pode nos levar a deixar de lado o acompanhamento dos governos estaduais e municipais, com destaque para aqueles encabeçados pela esquerda, especialmente pelo PT.

64. Neste contexto, ressaltamos a importância do governo de Minas Gerais no desmascaramento do modo tucano de governar.

65. Também neste contexto, manifestamos nosso repúdio à chacina ocorrida recentemente em Salvador, Bahia, praticada por policiais militares, frente a qual nosso governador adotou uma postura absolutamente tradicional, que banaliza a guerra que está sendo praticada contra a juventude negra e pobre. Para além do conteúdo, certas declarações feitas pelo governador – comparando os PMs a jogadores de futebol – foram de uma infelicidade atroz. Ao mesmo tempo que nos somamos aos que protestaram, exigindo investigação e punição, reafirmamos nossa defesa da desmilitarização das Polícias Militares. E cobramos um posicionamento do conjunto do PT e da área de direitos humanos do governo federal.

66. Manifestamos, ainda, a necessidade de apoiar o governo estadual do Maranhão, no desmonte da oligarquia Sarney.

67. Finalmente, ressaltamos a importância do êxito do governo encabeçado por Fernando Haddad. Neste sentido, é preciso impedir que se repita – agora e em 2016 – os erros táticos que nos levaram a uma derrota nas eleições 2014 em SP.

68. Embora a tática eleitoral em 2016 tenha aspectos locais, cabe ao Partido definir os parâmetros nacionais do processo, em torno das seguintes diretrizes: apoio ao governo Dilma, defesa de uma plataforma de aprofundamento das mudanças e prioridade para os partidos de esquerda nas alianças.

69. É necessário, também, o acompanhamento dos governos municipais e estaduais vinculados à oposição.

70. Um exemplo da tática frente aos governos de direita é a mobilização ocorrida no Paraná, contra as políticas neoliberais de desmonte do Estado, de precarização dos serviços públicos e de cortes nos direitos de servidores, promovidas pelo governador tucano Beto Richa.

71. Um contraexemplo é a ausência do PT (até o momento em que escrevemos este texto) em mobilizações frente ao descalabro hídrico causado pelo governo tucano de Alckmin.

72. Para além dos governos, é preciso atenção para os parlamentos, com destaque para o Congresso Nacional.

73. O resultado da eleição da presidência da Câmara dos Deputados confirma a predominância do conservadorismo e do fisiologismo entre os parlamentares eleitos em 2014.

74. A vantagem obtida por Eduardo Cunha, vitorioso no primeiro turno com 267 dos 513 deputados, demonstra a necessidade de outro tipo de governabilidade, que não se iluda com a chamada "base do governo".

75. Neste congresso conservador e sob a presidência de Eduardo Cunha, temas como a reforma política, a lei da mídia democrática, a punição dos crimes da ditadura militar, o combate à corrupção e mesmo a cassação do deputado Jair Bolsonaro só terão chance de êxito se houver intensa pressão social.

76. Neste contexto, setores do Partido defendiam uma composição com a candidatura de Eduardo Cunha. E criticam a opção feita pela bancada, de lançar a candidatura de Arlindo Chinaglia. Os defensores desta proposta seguem não entendendo o quadro político brasileiro e a necessidade de mudar de tática e de estratégia. Continuam acreditando que mais vale um péssimo acordo do que uma boa briga.

77. A bancada do PT na Câmara dos Deputados agiu corretamente. Poderíamos ter vencido, se a composição do ministério e a atitude do conjunto do governo tivesse sido outra. Mas sabíamos, desde o princípio, que era grande a chance de derrota. E ainda assim era fundamental ter candidatura. Em primeiro lugar porque são nulas as chances de composição com o que Eduardo Cunha representa, salvo ao preço da descaracterização mais abjeta do PT. Em segundo lugar, por demonstrar quem efetivamente combate as práticas fisiológicas, corruptas e antipopulares. Em terceiro lugar, para sinalizar aos setores democráticos da sociedade e do próprio Congresso Nacional a necessidade de uma nova tática, seja para combater as tentativas de retrocesso – com destaque para a contrarreforma política – que o novo presidente da Câmara dos Deputados busca implementar, seja para lutar por nossa plataforma democrática e popular.

78. Embora menos dramático, o quadro no Senado tampouco é tranquilo. Sem mobilização social, a força da direita na institucionalidade não apenas sufocará qualquer chance de aprofundar as mudanças no país, como provocará retrocessos.

Luta social

79. O espaço de atuação do governo depende em grande medida da mobilização política e social. Portanto, uma de nossas tarefas principais, em 2015 e adiante, será construir as condições políticas e sociais para um segundo mandato superior. Tarefa na qual o PT, partidos, sindicatos e movimentos sociais aliados, bem como a intelectualidade democrática, têm muito a dizer e fazer.

80. É necessário criar uma articulação permanente do conjunto das forças políticas, sociais e culturais que construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014. Partidos e setores de partidos, movimentos sociais, trabalhadores da cultura e intelectualidade democrática devem ser convidados a compor uma grande frente onde possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa das reformas democrático-populares.

81. Nos marcos desta articulação, é necessário relançar a campanha pela reforma política e pela mídia democrática, contribuindo para que o governo possa tomar medidas avançadas nestas áreas e para sustentar a batalha que travaremos a respeito no Congresso Nacional.
82. A eleição de Cunha para dirigir a Câmara dos Deputados mais conservadora desde a redemocratização reforça a centralidade da mobilização do campo democrático-popular por um plebiscito oficial que convoque uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político, sem prejuízo de avançarmos em medidas imediatas de uma reforma política popular, como a proibição do financiamento empresarial e o financiamento público, o fim das coligações nas eleições proporcionais, o voto em listas partidárias, a paridade de gênero, a ampliação dos canais de participação popular, entre outros.
83. A militância do PT deve ser convocada a participar ativamente da luta pela reforma política, apoiando as iniciativas do movimento social e do partido, particularmente a mobilização da campanha do Plebiscito da Constituinte e a coleta de assinaturas da campanha do PT.

84. Entretanto, neste momento é fundamental criarmos um centro de unidade em que as três principais campanhas pela reforma política que têm presença do campo democrático-popular – o Plebiscito Constituinte, a Coalizão e o projeto de iniciativa popular do PT – marchem unificadas, preservando suas bandeiras próprias, mas contra o retrocesso da PEC da contrarreforma e pelo "Devolve, Gilmar!".

85. A mobilização da sociedade será fundamental para impedir mais um retrocesso no nosso sistema político. Ao mesmo tempo, é o momento oportuno para a presidenta Dilma, os movimentos sociais e partidos de esquerda resgatarem o programa vitorioso das urnas de uma reforma política democrática e a convocação de um plebiscito oficial que dê voz ao povo nas mudanças do sistema político.
86. No âmbito desta articulação permanente do conjunto das forças que apoiaram no segundo turno a reeleição de Dilma, devemos aprovar o engajamento coletivo nas mobilizações sociais, a exemplo da jornada convocada pela CUT e centrais sindicais para fevereiro de 2015, a construção do 8 de março e do Primeiro de Maio.
87. Faz-se necessário, também, implementar uma política de comunicação do campo democrático e popular, iniciando pela construção de um jornal diário de massas e de uma agência de notícias, articulados a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes sociais, que sirvam de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular na batalha de ideias. Integrar esta ação de comunicação política com o amplo movimento cultural que está em curso neste país e que foi tão importante no segundo turno. A política de comunicação que necessitamos se integra à política de cultura e de educação, com o objetivo de criar uma cultura de massas orientada por valores democrático-populares e socialistas, combatendo a crescente ofensiva conservadora no terreno das ideias.

88. Finalmente, é preciso compreender que a defesa do governo também exige mobilização social. Um exemplo disto são as mobilizações em defesa da Petrobrás, do Pré-Sal, do modelo de partilha e da política de conteúdo nacional, contra os ataques da oposição de direita.

89. Na articulação permanente do conjunto das forças políticas, sociais e culturais que construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014, o PT defenderá a seguinte plataforma democrática e popular:

a)      Reforma política, através de uma Constituinte exclusiva seguida de uma consulta oficial à população, para que esta referende ou não as decisões da Constituinte. Destacamos a luta pelo fim do financiamento empresarial, essencial para combater a corrupção na sociedade, no Estado e nos partidos políticos;

b)      Democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação das principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;

c)       Democracia representativa, democracia direta e democracia participativa, para que a mobilização e luta social influencie a ação dos governos, das bancadas e dos partidos políticos. O governo precisa dar continuidade à participação social na definição e acompanhamento das políticas públicas e tomar as medidas para reverter a derrubada da Política Nacional de Participação Social, objeto de decreto presidencial cancelado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados no dia 28/10/ 2014;

d)     Pauta da classe trabalhadora, onde se destacam o fim do fator previdenciário e a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/1/2015;

e)      As reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a reforma política, as reformas agrária e urbana, a universalização das políticas de saúde e educação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das Polícias Militares;

f)        Salto na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro, em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e curriculares no ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na segurança pública e no SUS, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso com a universalização do atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde pública;

g)      Ampliação da importância e dos recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;

h)     Proteção dos direitos humanos, defender os direitos e a vida das mulheres, criminalizar a homofobia, enfrentar o racismo e os que buscam criminalizar os movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da Lei da Anistia de 1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a reforma das polícias e a urgente desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no combate ao crime só é superada pela violência genocida contra a juventude negra e pobre das periferias e favelas;

i)        Total soberania sobre as riquezas nacionais, entre as quais o Pré-Sal, e controle democrático sobre as instituições que administram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem compete entre outras missões combater a especulação financeira que está por detrás das candidaturas da oposição de direita.

j)        Política de desenvolvimento de novo tipo, ambientalmente orientada, articulada com as reformas estruturais (com destaque para as reformas urbana, agrária e tributária) democráticas e populares e com nossa luta pelo socialismo.

90. É a luta por medidas políticas e diretrizes programáticas desta natureza, amplas, envolventes, de natureza mais social que institucional, que farão a diferença nos próximos quatro anos. E que ajudará a construir as condições para nossa vitória em 2016 e 2018.



Texto em debate na direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. Sujeito a alterações.

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