quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Comentários adicionais (1)

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda divulgou o documento Comemoração e luta! onde faz um balanço das eleições 2014 e discute os desafios do segundo mandato Dilma Rousseff.

A seguir faço alguns comentários adicionais aquele texto, a partir do que foi dito na reunião que o elaborou. Não necessariamente o que vem a seguir é opinião minha.

1.É necessário retomar o debate sobre a formação social brasileira, sobre o capitalismo brasileiro, sobre a estrutura de classes existente em nosso país, sobre suas relações com a região e o mundo. A verdade é que, como Partido, conhecemos pouco as dinâmicas de fundo existentes em nossa sociedade.

2.A partir deste conhecimento sobre as dinâmicas de fundo da sociedade brasileira, devemos precisar melhor os obstáculos e os desafios que estamos enfrentando. É correto criticar o administrativismo (achar que "fazer um bom governo" resolve). Também é correto dar ênfase ao tema da política (tanto no sentido do fazer política, quanto no sentido de mudar as condições estruturais em que a política é feita, através da reforma política e da democratização da mídia). Mas é fundamental não perder de vista que nosso sucesso político depende, em última análise, do êxito das transformações sociais e estas dependem do êxito de nossa política macroeconômica.

3.Neste sentido, é preciso incidir fortemente no debate sobre a política econômica. Hoje ele está centrado em alguns pontos interrelacionados: inflação, juros, ajuste fiscal, taxa de investimento, baixo crescimento, redução da desigualdade etc. Evidentemente estes pontos condensam o conflito de classes, o conflito distributivo existente em nossa sociedade. Qual deve ser nossa postura frente a isto?

4.É preciso retomar o crescimento econômico. Evidentemente não se trata de qualquer crescimento. Nossa proposta envolve: ampliação da indústria brasileira, ampliação da produtividade, fortes investimentos em C&T, formação amplo senso da classe trabalhadora, ampliação dos investimentos "produtivos", ampliação da produção de alimentos (combinado outra política agrária e outra política agrícola), baratear o custo de reprodução da força de trabalho através de fortes investimentos públicos (reforma urbana, habitação, transporte, saneamento, educação, saúde, cultura, esportes), redução da taxa de juros e do peso da dívida pública.

5.O crescimento que defendemos, portanto, é um elo numa política desenvolvimentista democrático-popular, ou seja, vinculada a democratizar o poder, a propriedade e a riqueza, através de reformas estruturais. Do ponto de vista macro, trata-se de fortalecer o capitalismo de Estado, como parte de uma estratégia socialista.

6.O Partido dos Trabalhadores precisa saber debater estes grandes temas junto à população. O país vive um "impasse" claro: a atual situação não agrada ao grande capital, tampouco aos trabalhadores, nem aos setores médios. O grande capital quer retomar o crescimento através da redução dos salários. Os trabalhadores querem combinar retomada do crescimento com ampliação dos salários. O grande capital não consegue recuperar a presidência da República, imprescindível para executar seu programa. Os trabalhadores não conseguem maioria congressual, imprescindível para executar seu programa. O impasse gera questionamentos à institucionalidade e um imenso nervosismo nos "setores médios".

7.O debate sobre "a classe média" converteu-se num grande enigma sociológico e político a ser desvendado. FHC disse, há algum tempo, que era necessário disputar os setores médios com o PT. Dilma passou parte da campanha falando que nosso objetivo é ser um país de classe média. Mas afinal, do que se está falando?

8.A depender do interlocutor, "classe média" pode querer dizer: a) capitalistas de pequena dimensão (ou seja, que só empregam assalariados, mas em empresas de pouco capital e pequeno número de trabalhadores); b) pequenos proprietários de variados tipos (ou seja, que não empregam assalariados, ou que empregam assalariados em pequena quantidade, dependendo basicamente do trabalho familiar); c) trabalhadores que recebem salários mais altos que a média e que, por isto, podem contratar outros assalariados (por exemplo, empregados/as domésticos/as); c) trabalhadores que recebem salários de diferentes tamanhos, mas que tem como "padrão de vida", como "sonho de consumo", uma vida de classe média (consumo privado, ascensão individual).

9.Nas manifestações de junho de 2013, estes quatro setores foram as ruas. Por isto é tão difícil falar em junho de 2013. Mais certo seria falar em junhos. Alguns tiveram como resultado a redução de tarifas de ônibus em 700 cidades e generalizaram uma crítica à violência polícial e aos meios de comunicação de massa. Mas também houve o que se chamou de "junho dos coxinhas".

10.O que chamamos de coxinha é uma coalizão de setores sociais, galvanizados pela oposição à ascensão social das camadas populares. Note-se que muitas vezes o coxinha pode ser um trabalhador, um filho de trabalhador, um morador da periferia. Mas que se identifica com a visão de mundo de outros setores sociais. Há vários fenômenos que podem causar isto: a influência dos meios de comunicação; a influência de determinados discursos religiosos; a projeção (querer ser como...); a rejeição (não querer ser como...); a influência ideológica do neoliberalismo (individualismo, consumismo etc.).

11.Três fatores são decisivos para explicar porque nos últimos anos aumentou a produção da fábrica de coxinhas. O primeiro deles é a redução das taxas de crescimento. O segundo deles é o modelo de crescimento adotado, com forte influência do consumo individual. O terceiro deles é a incapacidade, seja do governo, seja do PT e aliados de esquerda, de construir uma narrativa "progressista" que fosse para o processo que estamos vivendo no país. Quando esta narrativa entra em cena, como no segundo turno das eleições de 2014, forma-se uma maioria eleitoral a nosso favor.

12.Os três fatores acima listados ajudam a entender a "onda conservadora", a força de propostas como a redução da maioridade penal, a queda na representação parlamentar das esquerdas etc. Já a existência de uma narrativa clara, de contraposição de projetos, ajuda a entender a mobilização intensa que ocorreu no segundo turno, à revelia das direções, dos comitês e até mesmo das candidaturas.

13.Passada a eleição, todo mundo quer fazer a autocrítica dos outros. Parabenizamos quem percebeu que do jeito que está, não dá. Mas não se pode usar o veneno como remédio. É preciso menos marketing e mais reflexão sobre os problemas de fundo que vivemos, para que possamos construir uma alternativa coletiva.

14.São Paulo é um exemplo acabado disto. Nas eleições de 2014, fomos vítimas de uma tempestade perfeita: a) o estado mais rico do país, que se ressente do que está sendo possível hoje para os estados mais pobres; b) o estado onde se concentra o principal do grande capital: c) o estado onde se concentram o principal dos setores médios acima listados; d) um estado com forte influência do oligopólio da mídia; e) um estado onde se encontra parte importante do Estado maior da oposição de direita; f) um estado aparelhado há pelo menos duas décadas por um mesmo grupo político. Neste estado, temos por outro lado: a) uma esquerda que não conseguiu construir uma oposição político-social eficaz; b) uma esquerda fortemente golpeada pelas acusações de corrupção; c) uma esquerda que construiu uma tática de campanha baseada num falso pressuposto (o de que o lado de lá estava caindo de pobre) e que por isso tentou construir um discurso conservador (tentando disputar o eleitor supostamente descontente do lado de lá) e uma politica de alianças pela direita (esvaziada quando Skaf sai candidato e Maluf pula fora); d) uma esquerda que tentou repetir duas vezes a mesma mágica (deu certo em 2012, não deu certo em 2014), não percebendo os desgastes e avarias causados por junho de 2013 e suas sequelas.

15.Fala-se em despaulistizar o PT, mas é preciso lembrar que foi São Paulo que deu à atual maioria partidária seu respaldo e vantagem numérica. Assim, para sermos lógicos e coerentes, é preciso enfrentar o debate teórico, ideológico, político tal como ele é: não se trata de um grupo de dirigentes, trata-se de uma política que precisa ser revista.

16.Outro exemplo da profundidade dos problemas é a situação das direções, dos setoriais e da juventude petista. Somos um partido de massas (estão aí os milhões de votos a demonstrar), mas não somos um partido com vínculos orgânicos com as massas. Pior ainda: estamos assistindo ao crescimento de um antipetismo de massas, de base popular.

17.Nosso sucesso na campanha eleitoral deveu-se as massas, não ao Partido, não ao marketing. Os erros políticos cometidos (pela direção, pela campanha, pelo governo) poderiam ter nos custado a eleição. Por isto, insistimos: é hora de reflexão, crítica e autocrítica à sério. A começar dos principais dirigentes e lideranças públicas.

18.Alguns exemplos disto: a ilusão no comportamento do grande capital, o que levou a falta de recursos em algumas campanhas; a ilusão de que teríamos um crescimento nas bancadas, ao mesmo tempo que se adotou uma tática e política de alianças que todos sabiam que levaria a redução; a ilusão no controle remoto, quando do começo até o fim os meios de comunicação mostraram a serviço de quem e do quê estão; a ilusão de que o tema da corrupção perderia força. A verdade é que o PT colheu o que plantou, de certo mas também de errado.

19.Outro exemplo disto é a relação com o PMDB como aliado prioritário. Na verdade, o PMDB são vários. E grande parte do PMDB está do outro lado. Agora, quando elegeu-se um Congresso ainda mais conservador do que o atual, dispomos de uma bancada federal mais frágil do que a atual.

20.Um terceiro exemplo disto: toda uma linha auxiliar da oposição teve origem em nosso Partido. Marina, Eduardo Jorge, Cristovam Buarque, para falar apenas dos mais ilustres.

21.Estamos diante do desafio de construir outra estratégia, não apenas outra tática ou outro padrão de funcionamento interno. Uma estratégia capaz de integrar, num único movimento, o recoesionamento do campo democrático-popular, reformas políticas e econômicas. Neste sentido, é muito ruim que nosso Partido tenha produzido diretrizes programáticas tão debéis e que nossa campanha não tenha sido capaz de divulgar um programa de conjunto. As circunstâncias explicam, mas não justificam.

22.O tema da Constituinte é fundamental, mas não deve ser tratado com ligeireza, nem como fetiches. Qual o problema que buscamos resolver? A inadequação entre a institucionalidade brasileira e a profundidade das mudanças que o país necessita. Portanto, a Constituinte realmente necessária seria integral. Ao defendermos uma Constituinte exclusiva, apenas para fazer a reforma política, já estamos dando um passo atrás. Mas nada garante que este passo atrás amplie nossas forças e reduza nossos riscos. É preciso deixar isto claro, sob pena de estarmos deseducando as pessoas.

23.O tema da reforma política é fundamental e tem apelo de massas, sempre e quando for vinculado a dois outros: o do controle sobre os eleitos e o do combate à corrupção. Uma reforma política que acabe com o financiamento empresarial privado, que acabe com as coligações, que garanta a paridade e que introduza o voto em lista seria um grande avanço. Mas não nos equivoquemos: se tivermos forças para obrigar o Congresso a fazer uma reforma, a direita se mobilizará para defender a sua reforma conservadora. É um risco que devemos correr, pois pior é a estagnação. Mas é preciso deixar claro que os riscos existem.

24.Sem reforma política e sem mídia democrática, estará esgotada a capacidade transformadora da estratégia que combina luta social com presença institucional.

25.Devemos lugar pela mídia democrática. Mas é preciso combinar isto com a construção de nossos meios de comunicação de massa.

26.A oposição de direita combina três movimentos: pressionar nosso governo para que adote o programa dos derrotados; sabotar o nosso governo e atacar nosso Partido, para que cheguemos enfraquecidos nas próximas eleições; se "as circunstâncias exigirem" for, apelar para o golpe institucional (impeachment) ou até mesmo para um golpe clássico. Mas é um erro alimentar o alarmismo, até porque hoje o discurso golpista é no fundamental um instrumento para nos levar a ceder no programa.

27.O candidato da oposição teve 51 milhões de votos. Isto nos impõe três tarefas: dar organicidade aos nossos 53 milhões, dividir o eleitorado que votou 45 e atrair os eleitores que não compareceram, votaram branco e nulo.

28.O caminho para isto envolve, ao menos em parte, o que fizemos no segundo turno. A mídia reclama da "sujeira" da campanha, mas o que eles consideram "sujeira" é o que nós chamamos de "demarcar o campo de classe", desmascarar os interesses por trás do candidato oponente.

29.É desnecessário e prematuro lançar Lula como candidato. É desnecessário porque, caso ele queira, ninguém se oporá. É prematuro, porque nossa vitória em 2018 não depende de ações eleitorais, mas sim de um conjunto de medidas políticas e organizativas.

30.Vivemos um bom momento para ser de esquerda, para ser petista. Não são tempos fáceis, mas são tempos onde é possível mudar e é possível vencer.




















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