sábado, 12 de julho de 2014

Texto de 2010

Brasil, caminhos para o pós-neoliberalismo

A Fundação Perseu Abramo nos convidou para falar sobre as “bases para um projeto democrático e popular para o Brasil”. Em seguida, haverá outra mesa para discutir “elementos para o debate do paradigma pós-neoliberal”.

Ambos os temas podem ser abordados de duas maneiras diferentes:

a)uma discussão sobre o que pretendemos que faça um segundo mandato Lula;

b)uma discussão sobre nosso projeto estratégico, para além desta conjuntura. Esta será minha abordagem.

Vou começar tratando o tema geral deste seminário.

Fala-se em “caminhos” (no plural) para o pós-neoliberalismo (no singular). Na verdade, o “pós-neoliberalismo” também deveria estar no plural.

Para ficar claro o motivo desta afirmação, é preciso lembrar que o pós-neoliberalismo é uma visão de mundo; uma ação política orientada por esta visão de mundo; e um determinado arranjo de forças, que caracteriza atualmente o capitalismo em escala internacional.

Quais são os traços gerais deste arranjo de forças? Uma hegemonia capitalista sem precedentes na história, uma predominância do capital financeiro, uma alteração no papel do Estado, a hegemonia norte-americana e uma instabilidade profunda em escala global

O que seria, então, o pós-neoliberalismo?

No sentido fraco, seria o abandono do radicalismo ideológico que caracterizou inicialmente a ofensiva neoliberal, em prol de alternativas mediadas (como a terceira via, a centro-esquerda etc.).

No sentido forte, seria um novo arranjo de forças (interno e/ou em escala mundial). Este novo arranjo pode se dar nos marcos do capitalismo, pode ser dar superando o capitalismo ou pode conduzir à destruição da humanidade.

Portanto, não existe um, mas vários paradigmas pós-neoliberais. Ou ainda, só faz sentido falar em pós-neoliberalismo, para fazer referência a um período histórico de transição.

Este mesmo raciocínio pode ser aplicado ao discutirmos as “bases para um projeto democrático e popular”.

Nosso ponto de partida, no outro tema, foi a crise do neoliberalismo; neste tema, nosso ponto de partida é a crise do modelo de desenvolvimento brasileiro, marcado pela associação subordinada ao capital estrangeiro, pela concentração de riqueza e pela concentração de poder.

Este modelo entrou em crise no final dos anos 1970. Depois de uma década de estagnação (os anos 1980), houve o experimento neoliberal (anos 1990). O resultado foi uma tripla crise: a crise do modelo, o aprofundamento da crise devido ao “remédio” neoliberal e a crise do neoliberalismo.

Quais os desenlaces possíveis para esta tripla crise?

Uma possibilidade é o “pântano”: mais uma ou duas décadas perdidas.

Outra possibilidade é um novo ciclo de desenvolvimento capitalista. Mas para isso é preciso que se combinem, como nos anos 1930, uma janela internacional (com um desligamento forçado, por crise e/ou por guerra, entre o Brasil e a economia internacional) com as oportunidades geradas pela crise (desemprego maciço, fronteiras inexploradas para a acumulação de capital etc.).

Uma terceira possibilidade é um desenvolvimento de tipo socialista.

Como estamos diante de várias alternativas, é fundamental definirmos qual é o nosso objetivo.

Óbvio que ter um objetivo não garante que tenhamos força para alcançá-lo. Ter um objetivo não dispensa, tampouco, a necessidade de ter uma estratégia e táticas. Mas ter um objetivo claro ajuda a organizar o pensamento e a ação.

O neoliberalismo é um exemplo exitoso de como um objetivo programático claro ajuda a organizar uma ofensiva política vitoriosa. A ascensão do Welfare State na Europa é um exemplo de como um objetivo mais audacioso as vezes não é alcançado, mas em parte devido a ele, é possível estabelecer um novo equilíbrio de forças num ponto bastante avançado. Já o governo Lula é um exemplo de como o rebaixamento nos objetivos estratégicos conduz a um rebaixamento ainda maior nas conquistas táticas.

Colocar (ou recolocar) o socialismo como objetivo estratégico do PT, na atual quadra história, supõe enfrentar várias objeções, entre elas: a de que o socialismo teria se esgotado; a de que deveríamos ter como objetivo o Welfare State; ou a de que não haveria correlação de forças para tal.

Enfrentar estas objeções é lembrar que a imensa hegemonia do capitalismo recolocou a atualidade do marxismo e do socialismo; e lembrar que está havendo um deslocamento da correlação de forças, na América Latina, que nos permite ser mais ousados, embora não recomende triunfalismos.

Nosso desafio é partir desta correlação de forças e das contradições do capitalismo, para construir uma estratégia que nos leve em direção a um pós-neoliberalismo de tipo socialista. É disto que se trata, quando discutimos as bases de um programa democrático e popular.

O chamado “programa democrático e popular” sempre foi o apelido dado para um programa de transição. Foi assim nos “regimes democrático-populares” do Leste Europeu e na Nova Democracia chinesa pós-1949. Foi assim no programa etapista do comunismo brasileiro. E foi assim, também, nas formulações do 5º Encontro Nacional do PT.

Claro que a trajetória do conceito “democrático e popular”, no interior do PT, foi muito acidentada.

No 5º Encontro, este conceito pressupunha que coincidissem, no tempo, dois fenômenos distintos: o fim da “transição democrática” e o início de uma ruptura com o capitalismo, ruptura que seria anti-imperialista, anti-latifundiária e anti-monopolista.

Por isso, no 5º Encontro a eleição presidencial seria a ante-sala de um processo de aprofundamento ainda maior da luta de classes. Mas a história seguiu outro rumo e, ao invés de uma vitória eleitoral, tivemos uma derrota; e ao invés de um avanço em direção ao socialismo, tivemos um retrocesso neoliberal.

De toda forma, foi este o significado do “democrático e popular”, pelo menos desde 1987 até 1993.

No 10º Encontro Nacional do PT, em 1995, a expressão “governo democrático e popular” foi mudando de sentido, perdendo o conteúdo estratégico revolucionário e de transição ao socialismo e ganhando um conteúdo tático, mais vinculado aos governos municipais, estaduais e ao governo Lula, governos que seriam de oposição ao neoliberalismo, não de transição ao socialismo.

Obviamente, não se esperava de um governo municipal, eleito nos anos 1990, que implementasse tarefas anti-latifundiárias, anti-imperialistas e anti-monopolistas. Manteve-se o nome, mas modificou-se o conteúdo dos conceitos, quando nada impediria que nos adaptássemos às possibilidades da conjuntura, sem perder de vista o objetivo estratégico.

O que está posto para nós, hoje, é recolocar o objetivo estratégico. Que se materializa em cinco grandes pontos:

1.Derrotar a ditadura do capital financeiro, reduzindo o peso do setor financeiro privado, ampliando o peso do setor financeiro público e reduzindo ao mínimo possível o estoque e o serviço da atual dívida pública.

2.Integração da América Latina, político-cultural e de infra-estrutura.

3.Ampliação do investimento público, em detrimento do espaço dos monopólios privados, crescendo o investimento do Estado, em particular nas áreas sociais.

4.Redistribuição da riqueza e da renda, em particular em torno dos temas salários, terra e infra-estrutura urbana.

5.Poder popular, modificando a institucionalidade, ampliando a força das organizações sociais e da esquerda política.

Estes cinco pontos constituem as “bases do programa democrático e popular”, no sentido estratégico da palavra, pois sua implementação gera uma dinâmica anti-capitalista.

Esta orientação estratégica se traduz, no terreno tático de um segundo mandato presidencial, da seguinte forma: a)assumir que governamos nos marcos de uma brutal hegemonia neoliberal, motivo pelo qual temos que ter uma estratégia que nos permite derrotar esta hegemonia; b)lembrar que se nem todos os nossos objetivos são possíveis de alcançar hoje, nem por isso eles deixam de ser nossos objetivos; c)reafirmar que a centralidade da luta contra o neoliberalismo está na política, na alteração da correlação de forças entre as classes sociais.

Neste sentido, os documentos aprovados no XIII Encontro Nacional do PT são positivos, embora tímidos. Neste mesmo sentido, a proposta de adotar o Estado de bem-estar social como objetivo estratégico de um segundo mandato presidencial, tal como foi proposta por Juarez Guimarães, constitui um grande retrocesso.



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