quinta-feira, 29 de maio de 2014

Fora FHC!

Fora FHC!


O II Congresso do PT deve ser encarado pela militância como um momento privilegiado para o debate político sobre o futuro do país e do próprio PT. A conjuntura que nos cerca voltou a colocar em debate um velho e atual dilema: ou o PT, neste momento de aprofundamento da crise econômica, social e política, retoma a ofensiva política no sentido de apresentar uma alternativa dos trabalhadores frente ao esgotamento do modelo neoliberal em nosso país, ou simplesmente padece frente a mais uma manobra da burguesia nacional e seus sócios no sentido de retomar a ofensiva na solução da crise.
No início deste ano, o país sofreu um enorme abalo em função do agravamento da crise econômica. Após quatro anos, onde a burguesia apoiou-se no discurso da “moeda forte” e da “estabilidade”, o Real veio abaixo com uma desvalorização acelerada que contribuiu para aumentar as dívidas externa e interna, corroer ainda mais o poder de compra dos salários e, aliado a taxa de juros mais alta do planeta, provocar uma recessão de proporções históricas, onde o desemprego é o mais alto dos últimos 20 anos.
Como resultado desta conjuntura, que envolveu também as denúncias em torno da CPI dos bancos e, agora, a retomada das denúncias acerca do comprometimento de FHC nos leilões das teles, a popularidade do presidente atingiu o pior índice de aprovação popular (17%) desde o início do seu primeiro mandato. Um governo que já não conta com a mesma unidade da própria burguesia e que colocou-se de joelhos frente às exigências do FMI, que quer o aprofundamento do ajuste neoliberal.
A dívida externa total do Brasil atingiu patamares insuportáveis, de aproximadamente 230 bilhões de dólares. Ao total, a dívida cresceu 70 bilhões de reais em apenas um mês. Apesar do discurso do governo, de que o “pior já passou”, o Brasil e demais países da América Latina caminham a passos largos em direção ao aprofundamento de maiores e mais fortes crises. As medidas adotadas após a desvalorização de janeiro são incapazes de inverter a tendência recessiva da economia para este ano, limitando a zona de ação do governo que, subordinado às ordens de Washington, terá que aplicar medidas ainda mais impopulares.
Como parte desta conjuntura, temos ainda que destacar o papel que foi cumprido pela direção majoritária do partido, que não apostou na mobilização popular para derrotar o modelo econômico e o governo que o sustenta. A visita de Lula a FHC, no final de 1998, a participação dos governadores petistas na reunião com FHC, a paralisia da CUT e as sucessivas vezes em que a maioria do DN-PT recusou a defesa da suspensão do pagamento da dívida externa compõem uma política que gera confusão e desânimo na militância.
Felizmente, o PT não se resume a maioria do Diretório Nacional. Importantes Diretórios Regionais têm impulsionado mobilizações e assumido a defesa do Fora FHC/Fora FMI. Os militantes petistas na CUT, no MST, na CMP e na UNE tem jogado peso nas mobilizações decididas pelo Forum Nacional de Lutas e, também, nas suas lutas setoriais. Nos governos estaduais, nossos companheiros têm travado batalhas importantes –a maior das quais foi a do governo gaúcho contra a Ford. Mesmo na bancada federal, criaram-se condições para que fosse apresentada, em nome de vários partidos, um pedido à mesa da Câmara para que abrisse um processo contra o presidente da República.
Cabe ao II Congresso do PT ser consequente com isto e com as enormes possibilidades da conjuntura, enterrando a política de centro-esquerda que orienta a maioria do DN, política baseada na busca desesperada por aliados na burguesia e nos setores conservadores da política brasileira.
As privatizações, a possibilidade de importar componentes e matérias primas mais baratas, a farra dos títulos públicos, os empréstimos a juros baixos lá fora e os lucros com a diferença frente aos juros internos, a festa das bolsas, a entrada de sócios estrangeiros... de uma forma geral, a burguesia brasileira conseguiu “ganhar algum” durante os anos de fluxo abundante de capitais estrangeiros para o país. Alguns ganharam mais do que os outros, mas todos ganharam um pouco, mesmo aqueles que tiveram que vender seu patrimônio.
A medida que o fluxo de capitais estrangeiros tornou-se mais escasso, setores do empresariado passaram a criticar a política econômica do governo. A insatisfação manifestou-se nas eleições de 1998, através da tentativa de lançar Itamar candidato a presidente pelo PMDB, da candidatura de Ciro Gomes e de alguns governadores de estado. Esta insatisfação aparece, também, nas críticas à equipe econômica e no debate entre os “monetaristas” e os “desenvolvimentistas”.
A pauta desta “oposição burguesa” é igual a do governo: câmbio, juros, abertura comercial, exportações, ajuste fiscal, reforma tributária. Se a crise agravar-se, esses setores podem até mesmo defender a ruptura com o FMI, controle de câmbio, moratória e estatização (como fizeram Vargas, Juscelino e os milicos de 64). Mas não faz parte de sua pauta a reforma agrária radical, a tributação maciça sobre o capital e as grandes fortunas, os aumentos salariais, a redução da jornada de trabalho e a ampliação das políticas sociais. Estas e outras medidas, ou virão pelo povo, contra os capitalistas, ou não virão.
As alternativas do empresariado sempre despejam sobre o andar de baixo a conta da crise. O empresariado “crítico” quer que o governo o defenda, mas não quer por para correr os sócios transnacionais. Tampouco querem ruptura total com a especulação, até porque também têm dinheiro aplicado na jogatina financeira e seriam prejudicados por retaliações do capital internacional. Numa das recentes fugas de capital, por exemplo, a maioria dos que remeteram dinheiro para fora do país era de “empresários nacionais”.
A disputa interburguesa deve se aprofundar nos próximos meses. A história do Brasil está cheia de exemplos de como esta disputa pode atingir temperaturas extremas, indo até a luta armada, como ocorreu em 1930 e 1932; “transbordando”, estimulando, potencializando ou facilitando a luta dos setores populares, como aconteceu em 1984 (Diretas), 1989 (campanha Lula) e 1992 (Fora Collor).
Na história do Brasil, a guerra entre as elites é a ante-sala do pacto, da transição pelo alto. O lugar do povo nessa peça tem sido de massa de manobra no primeiro ato e bucha de canhão no segundo ato –como descobriram os tenentes de 35 e os estudantes de 68.
Hoje, a “oposição” burguesa trabalha para tornar-se a principal protagonista da luta contra FHC, fazendo da esquerda uma força secundária e/ou subalterna. Se quisermos ter outro destino, é bom não apostar nossas fichas no diálogo com FHC e com setores supostamente “democratas” do PSDB, como Covas. Nem tampouco participar do governo de Itamar.
Cabe ao PT dizer como derrotar o atual bloco de poder e substituí-lo por outro. A nosso ver, isto se faz combinando mobilização social e disputa eleitoral. Vale dizer que o acento principal deve ser a mobilização social, que não deve ser encarada apenas como mobilização “cívica”. Ao contrário, compreendemos que a mobilização social deve ter também um caráter de classe, de mobilização da classe trabalhadora e dos pequenos e médios proprietários por suas reinvidicações. Greves, paralisações, marchas, corte de estradas, passeatas, atos públicos... colocar as classes trabalhadoras em movimento é a chave para os rumos da conjuntura.
Nossos objetivos principais --a mobilização contra o programa dominante e contra o governo atual, a favor de outro programa e a favor da antecipação de eleições gerais-- se materializam, hoje, na palavra de ordem Fora FHC, Fora o FMI.


Embora FHC diga que “o pior já passou”, a verdade é outra. A situação social é catastrófica, a “estabilidade” econômica é muito frágil e o desgaste político de seu governo é monumental.
Um espirro da economia internacional, uma atitude mais agressiva da oposição burguesa e/ou de esquerda, uma manifestação mais forte da insatisfação espontânea do povo podem acelerar a crise e colocar o governo em questão. Caso os governadores de oposição tivessem adotado uma postura mais firme frente ao governo federal, a campanha pelo Fora FHC seria hoje muito maior.
A situação é tão instável que os partidos governistas já discutem alternativas. Lançamento de candidaturas presidenciais, reforma ministerial, parlamentarismo, adiamento das eleições municipais, medidas extraordinárias adotadas pelo executivo. Caso não haja mobilização popular, pode prevalecer uma saída de direita.
Nesse quadro, o PT recusa o cálculo eleitoral ingênuo ou oportunista: “nas próximas eleições o governo ficará mais fraco e nós seremos favorecidos”. Não podemos esquecer que cada dia deste governo significa o sofrimento para milhares de trabalhadores e tempo para elites criarem alternativas.
Dizem que o Fora FHC “desrespeita a normalidade democrática”. Mas quem desrespeita as leis e a normalidade democrática neste país é, antes de mais nada, o presidente FHC, seu governo e seus aliados, que atropelam a Constituição e rebaixam o Congresso Nacional ao papel de despachante presidencial e das elites.
Os que criticam hoje o “fora FHC” são os mesmos que questionaram, ontem, o Fora Collor.  A eles respondemos que há base legal, institucional, para defender o afastamento do presidente: estelionato eleitoral, desrespeito a Constituição, danos ao patrimônio público e à soberania nacional, favorecimento a empresas etc.
O PT quer o afastamento de FHC e o cumprimento da Constituição, que prevê novas eleições. Em 1992, Itamar só conseguiu tomar posse porque, erradamente, não exigimos a antecipação das eleições. A antecipação das eleições constitui uma saída democrática para a crise atual. Mas para que a antecipação das eleições seja possível, e para que a direita não a capitalize, é preciso que haja um grande movimento de massas.
Todas as ações do Partido –no parlamento, nas administrações municipais e estaduais; nos movimentos sociais— devem se organizar em torno desse eixo. Num cenário de crise, as ações administrativas, as políticas públicas, são um elemento auxiliar no acúmulo de forças. O elemento principal é a disputa política contra o modelo neoliberal e contra o governo FHC.
Nossa preparação para as eleições do ano 2000 também deve basear-se neste eixo. Tenhamos ou não sucesso na antecipação da eleição presidencial, as eleições 2000 devem ser um momento da disputa política nacional contra o governo FHC e sua política econômica, um momento de apresentarmos uma alternativa democrática, popular e socialista para o Brasil.
Nossa política de alianças deve limitar-se ao campo democrático popular e excluir aqueles partidos que tenham comprometimento com a política do governo, expressem os interesses do grande empresariado, tenham práticas fisiológicas, corruptas, criminosas de qualquer tipo.
O próximo período será muito rico em debates político-ideológicos. Nesse sentido, o PT deve jogar-se com força na campanha "Brasil: 500 anos de Resistência Negra, Índigena e Popular", contrapondo-se às comemorações oficiais e afirmando a interpretação popular da história do Brasil.


Texto escrito para o caderno de debates do II Congresso do PT, realizado em novembro de 1999.


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