sábado, 24 de maio de 2014

Convenções, Encontros, Congressos

O PT foi criado em 1980, durante a ditadura militar, que encerrou-se em 1985. 
Seu estatuto inicial obedecia à Lei Orgânica dos Partidos Políticos, editada pela ditadura.

O estatuto previa a realização de Convenções partidárias, para determinas programa e candidaturas. Estas convenções eram compostas de forma não democrática.

O PT então formulou um regimento interno, que não tinha respaldo legal, mas que era obedecido pelo Partido.

Este regimento tinha várias diferenças em relação ao estatuto legal, uma destas diferenças estava na figura dos “encontros partidários”.

Os encontros eram compostos por delegados eleitos pelas bases do partido, num processo piramidal. 

Numa cidade de maior porte, por exemplo, poderíamos ter encontros zonais, de que participavam todos os filiados do Partido (desde que estivessem em dia com sua contribuição partidária). Os encontros zonais elegiam delegados ao encontro municipal. Os delegados de todos os encontros zonais reuniam-se no encontro municipal. O encontro municipal, por sua vez, elegia os delegados ao encontro estadual. Os delegados eleitos por todos os encontros municipais compunham o encontro estadual , que por sua vez elegia os delegados ao encontro nacional. Os delegados de todos os encontros estaduais compunham o encontro nacional. 

Em cada um destes níveis (zonal, municipal, estadual e nacional), além do debate político e da votação de resoluções, eram eleitos os delegados e as direções.

As decisões do encontro eram obrigatórias, o que significa que quando as convenções reuniam-se, mesmo que a composição da convenção oficial fosse outra, ela tinha simplesmente que homologar o resultado do respectivo encontro.

Tanto os delegados, quanto as direções, eram eleitas através do mesmo método: abria-se um prazo para inscrição de chapas; cada chapa (ou lista) inscrevia seus candidatos, com base numa tese (um documento político); cada filiado (no caso do encontro zonal) ou delegado (no caso dos demais níveis) votava numa chapa; com base na proporcionalidade direta, definia-se o resultado. Portanto, se havia três chapas e cada uma conseguia 33% dos votos, cada chapa ficava com 33% da direção e da delegação.

Cabia à direção eleita, em sua primeira reunião, escolher a executiva e os cargos de cada integrante da executiva, inclusive do Partido, através do voto.

Quem podia apresentar chapas? Qualquer filiado que estivesse em dia com suas obrigações financeiras para com o Partido.  As chapas podiam ser inscritas incompletas, ou seja, com um número menor de integrantes do que o número total de vagas em disputa.

Na prática, havia três tipos de chapas: chapas unitárias; chapas apresentadas por filiados; chapas organizadas por tendências do Partido.

É importante saber que no PT sempre houve tendências (em alguns casos partidos dentro do Partido, em alguns casos frações, em alguns casos correntes de opinião mais ou menos permanentes). 

Na maioria dos casos são estas tendências que apresentam chapas e teses para discussão, nos processos de encontro.

As tendências foram regulamentadas pelo V Encontro nacional do PT (1987) e pelo Primeiro Congresso (1991).

Portanto, ao longo de seus primeiros 10 anos o organismo máximo do PT era o encontro nacional.

Nos anos 1990 houve duas mudanças importantes. A primeira mudança foi a realização dos congressos. Antes a figura do Congresso não existia. A partir de 1991, passou a existir a figura do Congresso, baseada na ideia de que os encontros debateriam questões táticas e os congressos debateriam questões estratégicas e organizativas mais profundas. 

Na prática, não aconteceu isto. Até hoje fizemos 14 encontros nacionais (sem contar os encontros extraordinários, que não foram numerados) e 5 congressos (sendo que o 5º Congresso terá uma segunda etapa, que vai reunir-se em 2015). E muitos destes congressos não debateram apenas nem principalmente questões de fundo.

Uma outra mudança importante, nos anos 1990, foi a criação dos setoriais do partido. Os setoriais agrupam os militantes por área de atuação (juventude, educação, saúde etc.). Assim, o filiado pode participar da votação geral do Partido (elegendo delegados e direção) e também pode votar para escolher a coordenação e a linha do seu setorial.

O sistema anteriormente descrito foi profundamente alterado em 2001, no Segundo Congresso do PT, que aprovou a realização de eleições diretas para direção partidária. 

Trata-se de um processo inicialmente muito comemorado pela maioria do Partido, mas hoje muito polêmico dentro do PT, a tal ponto de ter sido aprovado, no 14º encontro (realizado em dezembro de 2013) uma recomendação de revisar ou até mesmo eliminar este método de eleição.

A eleição direta muda o processo anterior de três formas diferentes.  Primeiro, introduz no interior do Partido uma dinâmica semelhante a que ocorre nas eleições burguesas. Segundo, o número de pessoas que votam sem ter participado de nenhuma discussão anterior é imenso (em 2013, tivemos 425 mil votantes contra menos de 30 mil que participaram de alguma discussão sobre a eleição nacional. Não temos dados sobre a participação nos debates municipais e estaduais). Terceiro, a eleição direta unifica todo o processo eleitoral (a eleição de delegados e de direções é feita ao mesmo tempo, para todos os níveis, num único dia de votação). 

Antes o filiado votava na zonal, depois o delegado zonal votava no encontro municipal, depois o delegado municipal votava no encontro estadual, depois o delegado estadual votava no encontro nacional. Este processo não apenas garantia mais debate, como também permitia que o militante de base, o filiado independente, não ligado a nenhuma tendência, tivesse mais participação no processo.

A criação da eleição direta, na prática, fez com que as tendências nacionais controlassem o processo desde o início, ao inscrever suas chapas e suas teses. Na prática, as chapas e teses estaduais e municipais tendem a ser cada vez mais verticalizadas, ou seja, a tomar como referência as teses e chapas nacionais. O que confere, as tendências, um caráter de fração cada vez mais forte.

Outra mudança muito importante, ocorrida a partir de 2001, foi o enfraquecimento das tendências enquanto correntes de opinião e seu fortalecimento enquanto aparato de disputa do poder interno. O que é agravado por outro processo, simultâneo a este, de transformação das tendências em fachada, cobertura, biombo, de mandatos parlamentares ou de grupos vinculados a detentores de mandatos executivos (prefeitos, governadores).

Finalmente, desde 2003 em diante, ou seja, desde nossa chegada à presidência da República, ocorreu um último fenômeno extremamente deletério, que foi o empobrecimento cultural, teórico e político do debate interno.

Quem se puser a ler as resoluções do PT, desde 1980 até hoje, vai verificar que elas perderam profundidade. Como os redatores das resoluções são mais ou menos os mesmos, há 30 anos, e como o Partido ampliou suas cotas institucionais neste mesmo período, uma conclusão possível é que esta perda de densidade cultural, teórica e política constitui um efeito colateral de nosso sucesso eleitoral.

Falando de outra forma: o Partido tende a tomar cuidado com o que escreve, com o que diz, com o que fala, com o que resolve, com o que delibera, mas este "tomar cuidado" não incide apenas sobre a forma (como dizer), mas também começa a impor silêncios (o que não dizer). 

Ao mesmo tempo, a forma das resoluções perde vivacidade literária, perde força plástica, perde vivacidade. Ou seja, uma burocratização estética.

Antes, do conflito entre as diferentes posições, das diferentes tendências, emergia em geral um resultado superior às partes em disputa. Agora, tende a ocorrer o contrário: o resultado é inferior.

Com o objetivo de resolver, ao menos em parte, este problema, nos últimos anos o PT tem adotado cada vez mais o sistema de teses guias elaboradas pela direção, com base na qual o debate ocorre na base, sem prejuízo de teses alternativas e sem prejuízo do debate e votação aberta das emendas nos processos de encontro. Embora do ponto de vista formal este processo tenha sido introduzido com a melhor das intenções, na maioria das vezes o resultado prático não correspondeu aos desejos e os problemas citados anteriormente continuaram se fazendo presentes.

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