domingo, 29 de dezembro de 2013

Que o Congresso seja melhor que sua abertura

O V Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores deveria ter sido realizado entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2013. Mas o que houve nestes dias foi apenas uma “abertura”.
Para compreender o ocorrido, é importante recapitular alguns fatos e analisar algumas posições.
O V Congresso foi convocado solenemente em dezembro de 2012. Mas desde o debate sobre a Convocatória do Quinto Congresso, ficou clara a existência, no Partido, de pelo menos duas posições distintas a respeito.
Todos reconheciam existir uma contradição entre as necessidades da luta política imediata, por um lado, e as diretrizes mais estratégicas e programáticas que deveriam emergir do Congresso, por outro lado.
Alguns propunham resolver esta contradição rebaixando o Congresso, transformando-o numa convenção eleitoral. Outros propunham resolver esta contradição, elevando nossa tática às necessidades de nossa estratégia.
A polêmica se traduziu, do ponto de vista prático, na elaboração de um documento de subsídio ao Congresso, que deveria ter sido debatido pela CEN, pelo DN e em encontros especiais, simultaneamente ao PED. E que, após o PED, seria refeito, incorporando as contribuições das teses apresentadas ao debate.
Tais debates “congressuais” nunca ocorreram. E os debates do PED foram tudo, menos “congressuais”. E, por fim, o documento apresentado como contribuição ao V Congresso, assinado por apenas dois (Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini) dos vários integrantes da comissão, é basicamente o mesmo produzido antes do PED. Sendo que chapa “Partido que muda o Brasil”, que disputou o PED com uma tese, abriu mão desta tese em favor do documento assinado por Marco Aurélio e Ricardo Berzoini.
Assim, um ano depois de convocado solenemente, o V Congresso foi convertido em três partes: uma primeira parte, a “abertura”, realizou-se entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2013; a segunda parte, que vai debater a tática eleitoral, reunir-se-á provavelmente no Rio de Janeiro em abril de 2014; e a terceira etapa do Congresso, supostamente conclusiva, vai se reunir em 2015, mês a definir. Sempre com os mesmos delegados eleitos no PED 2013.
A abertura
Portanto, o V Congresso começou, mas não terminou. Vejamos como foi cada momento da fase de “abertura”, dedicada a Luis Gushiken e Marcelo Deda.
A sessão inaugural foi na noite de 12 de dezembro, resumindo-se a composição de uma mesa com a nova comissão executiva nacional, com os presidentes estaduais eleitos (com exceção do presidente do estado do Maranhão, que está sub judice), com Rui Falcão, Lula e Dilma Rousseff, que fizeram uso da palavra nesta ordem.
Recomendamos a leitura dos discursos feitos esta noite, que ilustram as contradições do grupo majoritário do Partido e as debilidades da linha política vencedora no PED. Símbolo destas, aliás, foi algo que a muitos pode ter parecido “normal”, mas que é de um simbolismo profundo, especialmente num partido que tanto se propôs a renovar a visão dominante no movimento socialista acerca da relação entre partido/governo/Estado : quem deu posse ao novo presidente nacional, aos presidentes estaduais e a nova direção nacional foram Lula e Dilma.
Na sexta-feira 13 de dezembro, tivemos três momentos distintos. No final da manhã, uma solenidade dedicada aos presos José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares. No início da tarde, uma mesa onde Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini apresentaram seu texto de Contribuição ao V Congresso. E, depois do almoço, uma terceira mesa que alguns bem humorados denominaram “momento fórum social”, em que falaram intelectuais, movimentos sociais e representantes das chapas que disputaram o PED. Nesta terceira mesa, destacou-se Sonia Fleury, representante do Cebes, que fez uma dura crítica às contradições da política adotada pelos governos Lula e Dilma.
Finalmente, no sábado 14 de dezembro, votaram-se emendas e moções. O grupo majoritário adotou como política absorver todas as emendas, exceto algumas apresentadas por O Trabalho, convenientemente promovido a “oposição oficial”, pois foi o único setor (exceto a maioria) que teve o direito de usar da palavra.
Dois temas foram remetidos para outro momento: os questionamentos à política de alianças foram remetidos para o Encontro de tática eleitoral, em abril de 2014, quando a tática eleitoral já estará deliberada na prática; e os questionamentos quando ao PED foram remetidos para uma comissão, que discutirá alternativas, que caso aprovadas serão adotadas na eleição da nova direção, no ano de 2017 (o que nos garantirá uma dupla diversão num mesmo ano: um PED e o aniversário dos 100 anos da revolução russa).
A voto mesmo, foram dois temas: o superávit primário e a AP 470. Nos dois casos, coube a Ricardo Berzoini defender a posição do grupo majoritário, logo ele que sabidamente está em conflito com seu próprio grupo em tantos pontos importantes.
É muito importante que a organização do Congresso divulgue os discursos feitos na defesa e na crítica as emendas. A fala de Berzoini é particularmente importante, porque revelou a falta de argumentos de mérito para defender as respectivas posições.
No caso do superávit, por exemplo, Berzoini nos lembrou que o país precisa crescer e que para isto precisa de investimentos privados e públicos. Mas não conseguiu explicar por qual motivo o investimento, seja público, seja privado, é beneficiado pela política de geração de superávits primários. Seu único argumento, ao fim e ao cabo, foi dizer que o congresso do PT deve apoiar a política econômica do governo. O problema é que as pedras sabem que grande parte do PT não concorda com esta política econômica, mas escolheu tratar isto como assunto de bastidor, não como debate público. Deixando a oposição e setores da base fazerem o debate público contra nós, aproveitando-se de problemas que todos sabemos que são reais e que deveriam ser corrigidos com rapidez, como a taxa de juros que voltou a crescer e como superávit que continua nos oprimindo.
Já no caso da AP470, a fala de Berzoini deixou no ar uma dúvida imensa: por qual motivo de mérito ele, signatário de uma emenda que falava em revisão penal e anulação do julgamento, passou a subscrever outra emenda, que não falava mais nisto. Berzoini, é verdade, explicou que sua nova posição (ver box na página 21) “unificava” mais o Partido. Mas não explicou ao plenário do Congresso quais os argumentos dos setores do Partido contrários à revisão penal e contrários a anulação da AP470.
Finalmente, ia a voto mas foi retirada por O Trabalho uma emenda referente ao Haiti. Depreende-se que os signatários confiam que a presidenta Dilma Rousseff vai suspender a participação brasileira na Minustah.
Votadas estas emendas e as moções, o Congresso foi encerrado. Ou melhor, a abertura foi encerrada. Para a maioria dos que lá estiveram, uma coisa é certa: é melhor que o Congresso seja melhor do que esta abertura, um gasto de tempo e de dinheiro desproporcional a importância dos debates e resoluções ali aprovadas.
Continuísmo
O essencial da abertura do V Congresso é que se confirmou que a maioria do Partido decidiu “não mexer em time que está ganhando”.
Como diz a contribuição assinada por Marco Aurélio e Ricardo Berzoini: “No ano de 2014 a ação do PT estará concentrada na reeleição da companheira Dilma Rousseff à presidência da República, na expansão de suas bancadas no Senado Federal, na Câmara de Deputados e nas Assembléias Legislativas. Da mesma forma, terá papel central o aumento do número de seus governadores. Claro está que todos estes embates eleitorais exigirão a consolidação, ampliação e qualificação de nossas alianças políticas, essencial não só para vencer as eleições como para o exercício futuro dos governos em nível nacional e estadual. Ainda que as questões programáticas em jogo nas eleições de 2014 não possam ser separadas totalmente de uma política de longo prazo do partido, é necessário evitar que esses temas, de natureza estratégica, se sobreponham e confundam o debate eleitoral do próximo ano”.
Traduzindo: não estamos seguros de que a tática para 2014 ajude a política de longo prazo do Partido, mas estamos convictos de que colocar agora certos temas de longo prazo pode dificultar nosso desempenho eleitoral, assim é melhor não misturar as duas coisas.
Esta opção pode ter vários desdobramentos, inclusive dar certo. Mas há três variantes que nos preocupam.
Na primeira delas, perdemos as eleições por que não percebemos a necessidade de mudar a tática e a estratégia adotadas até aqui. Na segunda delas, ganhamos as eleições e fazemos um segundo governo a altura da tática, mas aquém das necessidades estratégicas, o que terá consequências até 2018 e em 2018. Na terceira delas, ganhamos as eleições e buscamos, após as eleições, fazer um giro na atuação do governo, sem ter construído, durante o processo eleitoral, as bases políticas necessárias para tal.
Não subestimamos a primeira variante. A direita está fazendo um grande esforço para produzir uma tempestade perfeita. E nosso governo tem reagido a isto de maneira recuada, fazendo um grande esforço para conciliar com os interesses do grande capital e do rentismo. As duas variantes projetam um cenário perigoso, econômica, política e eleitoralmente falando. Mas, ainda assim, ainda que no segundo turno, ainda que com dificuldades, o mais provável é nossa vitória com a reeleição da presidenta Dilma.
Mas, em caso da provável reeleição, a opção tática e estratégica da maioria do Partido não terá criado as condições para fazer um segundo mandato superior ao atual. É claro que esta nossa opinião deve ser matizada: uma vitória petista nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e/ou Minas Gerais muda a correlação de forças políticas. Porém, já sabemos de longa data que a depender da política implementada pelos novos governos estaduais, uma vitória eleitoral pode se converter num problema político, como algumas prefeituras conquistadas em 2012 estão demonstrando.
O futuro
Como já foi dito no editorial deste Página 13, não esperamos da maioria da nova direção partidária uma mudança na tática ou na estratégia. Continuarão insistindo numa postura geral defensiva e aquém das necessidades e possibilidades da conjuntura e do período histórico.
Da nossa parte, vamos continuar insistindo na necessidade de um giro estratégico e tático, assim como no funcionamento do PT. Achamos que a conjuntura de 2014 tende a ser turbulenta, que a campanha eleitoral será muito difícil, que o PT precisa de outra postura e de outra política, seja para vencer, seja para governar, seja para transformar o Brasil.
E, seja qual for o resultado final de 2014, estamos convencidos de que não teremos um segundo mandato superior ao primeiro, salvo se o Partido dos Trabalhadores mudar sua orientação.
Por isto, tão logo sejam publicadas, submeteremos o texto base aprovado neste V Congresso a um minucioso exame crítico. E faremos um esforço para que o V Congresso aprove resoluções mais avançadas.
Este esforço significa dar continuidade ao que defendemos ao longo de todo o processo de eleição direta das direções petistas: que o PT precisa mudar de estratégia, mudar a tática para 2014 e mudar o funcionamento partidário.
A atual estratégia do PT é baseada na ideia de mudança através de políticas públicas. Defendemos que o PT adote uma estratégia de mudança através de reformas estruturais.
Salvo engano, nenhum petista se opõe às reformas estruturais. Todos parecem defender a reforma tributária, reforma política, lei da mídia democrática, reforma agrária, reforma urbana, 40 horas, universalização das políticas públicas etc.
Assim parece, mas não é exatamente verdade. Alguns setores do PT se opõem a tais reformas, como vimos por exemplo toda vez que houve chance real de aprovar a reforma política. Outros setores defendem tais reformas, mas são contra adotar uma estratégia de mudança baseada nelas.
Os que pensam assim parecem acreditar que será possível continuar melhorando a vida do povo, continuar ampliando a democracia, continuar afirmando a soberania nacional, continuar avançando na integração regional, sem fazer reformas estruturais.
Nós, pelo contrário, achamos que a estratégia de melhorar a vida do povo apenas ou principalmente através de políticas públicas entrou numa fase de “rendimentos decrescentes”. A comparação entre o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma é uma das provas disto.
Os problemas da saúde pública, por exemplo, exigem um salto na capacidade de financiamento. O mesmo pode ser dito de outras questões, como o transporte público. Visto de conjunto, a “sustentabilidade” das políticas públicas universais exige reforma tributária e uma mudança radical no serviço da dívida pública.
Mas como viabilizar isto, se o Congresso seguir majoritariamente composto por representantes do grande empresariado? E como ter sucesso na batalha da reforma política, sem derrotar o oligopólio da mídia?
E como viabilizar estas e outras reformas estruturais, se nossas bancadas, governos, aliados políticos e sociais não organizarmos nossa atuação em função disto? Se não formos para as eleições de 2014 com o propósito de reeleger Dilma em condições dela realizar um segundo mandato superior, marcado pelas reformas estruturais? Se nosso Partido não for capaz de uma atuação militante em favor destes objetivos?
Seja para ganhar as eleições de 2014, seja para continuar mudando o país, seja para construir um caminho para o socialismo, o PT precisa adotar uma estratégia democrática e popular, por reformas estruturais. Esta é a principal tese que defenderemos nas próximas etapas do V Congresso do Partido dos Trabalhadores.


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