terça-feira, 17 de setembro de 2013

Roteiro para debate sobre a experiência da Unidade Popular, 40 anos depois do golpe


Viernes 20
Los ensinamentos de la Unidad Popular 1970-1973 para el actual proceso de cambios en America Latina

Sabado 21
Poder popular y area de propriedad social, en la estrategia de la Unidad Popular y en los procesos de cambio actuales en America Latina. 

Domingo 22
El golpe de Estado contra Allende: ensinamentos para la actual politica de Defensa de los governos progresistas y de izquierda en America Latina y el Caribe.

1. Aos 40 anos do golpe, cabe em primeiro lugar render homenagem aos que tombaram, tanto resistindo ao golpe quanto lutando contra a ditadura. Cabe, também, render homenagem aos que ajudaram a construir a vitória da Unidade Popular e seus três anos de governo, que melhoraram a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras do Chile.
2. Para além da homenagem aos que lutaram, ontem, pelos mesmos ideais e objetivos pelos quais lutamos hoje, cabe perguntar: a experiência histórica da Unidade Popular e do golpe pode nos ajudar a enfrentar os desafios atuais da esquerda? Nossa resposta para esta pergunta é: sim.
3. Já foi dito que a esquerda precisa enfrentar e superar três déficits teóricos: a análise do capitalismo do século XXI, o balanço do socialismo do século XX e o debate sobre a estratégia. É exatamente sobre este terceiro tema que a experiência chilena de 1970-1973 pode nos ajudar e muito.
4. A construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora tenha poder para reorganizar a sociedade. O tema do poder, no que consiste, como construí-lo, como conquistá-lo, é portanto a questão chave em toda reflexão política.
5. Durante o século XIX, os socialistas enxergavam o tema do poder através do prisma oferecido pela revolução francesa: 1789, 1948, 1871 eram os paradigmas clássicos ao redor dos quais girava o imaginário de anarquistas, sindicalistas revolucionários, socialistas, social-democratas, narodniks, comunistas etc.
6. As revoluções russas de 1905, fevereiro de 1917 e outubro de 1917 ofereceram um novo paradigma. E foi ao redor dele que girou, durante décadas, a reflexão política, tática e estratégica dos diferentes setores da esquerda mundial.
7. Os paradigmas “francês” e “russo” tinham semelhanças: o protagonismo da plebe urbana, o papel ambíguo das massas camponesas, a insurreição seguida de guerra civil e contra inimigos externos, o caráter “permanente” da revolução, o fantasma do “Termidor”.
8. O isolamento da Rússia soviética e a derrota das tentativas revolucionárias na Alemanha, na Romênia e na Itália, entre outras, resultará nos anos 1920 e 1930 numa reflexão acerca da estratégia a adotar: a) nos países capitalistas desenvolvidos; n) nos países que não faziam parte do núcleo metropolitano central.
9. Tal reflexão era simultânea a outros debates, igualmente complexos, acerca da construção do socialismo na URSS, de qual devia ser a política internacional de um Estado socialista, sobre a evolução do capitalismo e do imperialismo pós-Primeira Guerra Mundial e sobre como se posicionar frente a cada vez mais provável (segunda) guerra mundial.
10. Os escritos de Gramsci datam deste período, embora sua influência (em variadas versões e releituras) vá se estabelecer após a Segunda Guerra, em uma situação mundial distinta daquela que serviu de base para as reflexões do comunista italiano.
11. De toda forma, até o final da Segunda Guerra, quando a esquerda debatia os temas do poder, predominava o paradigma da revolução russa: direção partidária, protagonismo das plebes urbanas, acúmulo de forças via lutas sindicais e políticas, duplo poder, insurreição, guerra civil, construção do socialismo. Tal “modelo” estava presente inclusive nos que defendiam as Frentes Populares e as alianças estratégicas com a burguesia, nas políticas conhecidas como etapistas.
12. Um novo paradigma, qualitativamente distinto, surgirá com a vitória da revolução chinesa de 1949. O papel do Partido continua destacado, mas trata-se de um partido-exército. O protagonismo é das massas camponesas, que devem “cercar as cidades”. O acúmulo de forças inclui experiências precoces de duplo poder, com libertação de territórios, formação de governos e do exército popular. A insurreição urbana, quando existe, é em apoio a ação da guerra popular prolongada.
13. A estes dois paradigmas (“russo” e “chinês”) soma-se um terceiro, que foi o da guerra de libertação nacional. Esta vai aparecer sob a forma anti-nazista, em países como Albânia, Iugoslávia, Grécia (neste último caso, os comunistas são derrotados pela intervenção britânica), Itália e França (nestes dois últimos casos, a política dos partidos comunistas não foi a de transformar a guerra em revolução). E vai aparecer como guerra anticolonial típica, como no caso do Vietnã, Laos, Camboja, Angola, Moçambique.
14. Estes três paradigmas influenciavam o debate político e estratégico da esquerda latino-americana, dos anos 1920 aos anos 1950. Há toda uma literatura a respeito, que vale a pena revisitar sempre, especialmente aquela dedicada a estudar o impacto da grande revolução mexicana, anterior à vitória da revolução socialista russa.
15. Uma mudança importante ocorre com a vitória da revolução cubana de 1959: uma revolução democrática anti-ditatorial, baseada na combinação entre diferentes formas de luta e organização, com ênfase na combinação entre guerrilha no campo e insurreição urbana; que uma vez vitoriosa se revela cada vez mais democrático-popular e antiimperialista; e que num certo momento converte-se em revolução socialista.
16. A revolução cubana, especialmente suas interpretações de tipo “foquista”, infuencia fortemente a esquerda latinoamericana nos anos 1960 e 1970. Mas, com a parcial exceção da revolução nicaraguense, as estratégicas inspiradas no exemplo cubano não são vitoriosas em nenhuma parte. O mesmo, entretanto, deve ser dito das demais estratégias, até o final dos anos 60. Aliás, poderíamos dizer que se as revoluções são fenômenos raros, as revoluções vitoriosas são ainda mais raras e profundamente singulares: há mais constância nos motivos de derrota do que nas razões de vitória.
17. É neste contexto que surge a experiência do governo da Unidade Popular chilena, entre 1970 e 1973. Neste ponto há que se distinguir duas abordagens, ambas necessárias. Uma consiste no estudo da experiência histórica. Outra consiste no debate teórico acerca da estratégia proposta.
18. A experiência histórica da UP, os antecedentes da vitória, as vicissitudes do governo, o golpe, a ditadura que veio em seguida (com semelhanças e diferenças frente a outras ditaduras contemporâneas), as políticas neoliberais e os governos de centro-esquerda posteriores, são de uma riqueza imensa para os que fazemos parte de governos “progressistas e de esquerda” na América Latina de 2013.
19. Mas e do ponto de vista estritamente estratégico? Em que medida a experiência da UP constitui um paradigma positivo, útil, para construir uma nova estratégia para as esquerdas latinoamericanas?
20. Reformista demais para os revolucionários, revolucionária demais para os reformistas, a estratégia experimentada pela UP ficou numa espécie de limbo até 1998. Desde então, diversos governos da região passaram a tentar construir o socialismo a partir de governos produto, não de revoluções, mas de vitórias eleitorais. Ao mesmo tempo, outros partidos socialistas tiveram que integrar em seus esquemas estratégicos o papel de governos que buscavam implementar reformas mais ou menos profundas no capitalismo. Nos dois casos, remete-se à orientação estratégia materializada no governo da UP, evidentemente a busca de construir um “caminho chileno com final feliz”.
21. Aqui cabe fazer uma distinção importante: para alguns setores da esquerda latinoamericana, os governos da região que são integrados e/ou dirigidos pela esquerda são funcionais ao esquema de dominação imperialista e capitalista, e/ou correspondem a um período passageiro de governos reformistas, após o qual a luta de classe voltará a condições que exigem esquemas revolucionários clássicos.
22. Para um segundo setor, a revolução (e, em alguns casos, o socialismo) não faz mais parte do horizonte estratégico, não cabendo diferenciar luta pelo governo e luta pelo poder.
23. Portanto, seja para o esquerdismo, seja para o melhorismo, a experiência da Unidade Popular chilena não tem o que nos ensinar, do ponto de vista estratégico, salvo do ponto de vista negativo.
24. Já para aqueles setores que continuam tendo o socialismo como objetivo estratégico, e que portanto querem que a classe trabalhadora tenha o poder necessário para construir o socialismo, o “case” da UP é estrategicamente atual: como converter a parcela de poder obtida num processo eleitoral, não apenas em melhorias concretas para a vida do povo, não apenas em reformas estruturais, mas também numa parcela de poder que permita iniciar a transição socialista? Observando a experiência chilena, adiantamos a seguir alguns temas que serão posteriormente debatidos de maneira detalhada.
25. Em primeiro lugar, é preciso construir um sólido apoio nas classes trabalhadoras, o que inclui articular sob um comando estratégico único a maior parte das organizações políticas e sociais. A combinação entre luta institucional e eleitoral, ação parlamentar e de governos, luta social e construção partidária, só é virtuosa quando articulada politicamente.
26. Em segundo lugar, é preciso ganhar o apoio dos setores médios, dividir as classes dominantes e isolar o inimigo principal. Impedindo que ocorra o contrário: que a classe dominante isole a esquerda, ganhe o apoio dos setores médios e divida as classes trabalhadoras.
27. Em terceiro lugar, é preciso combinar disputa política com disputa cultural. A construção do poder necessário para iniciar uma transição socialista é indissociável da construção de outra hegemonia ideológica, cultural.
28. O que remete, em quarto lugar, para a necessidade de ganhar apoio nos organismos para-estatais, ou seja, organismos aparentemente privados, mas que executam funções públicas, como é o caso das igrejas, das escolas, da indústria cultural e dos meios de comunicação.
29. Em quinto lugar, é preciso conquistar uma maioria eleitoral que seja suficiente para ter hegemonia de esquerda nos organismos executivos e legislativos fundamentais. É insuficiente ter a presidência da República, mas sem maioria no Congresso, nem nos governos subnacionais fundamentais.
28. Em sexto lugar, é preciso impedir a sabotagem e a subversão provenientes dos organismos de Estado não eletivos, principalmente a alta burocracia, a Justiça e as forças armadas. Trata-se de democratizar o acesso, estabelecer controle social, mudar as doutrinas vigentes e, fundamentalmente, garantir o respeito a legalidade que advém da soberania popular. Motivo pelo qual é tão decisiva a realização de processos constituintes.
29. Em sétimo lugar, é preciso construir uma rede de solidariedade e proteção internacional, que reduza a ingerência externa que as metrópoles capitalistas centrais fazem sobre processos socialistas nacionais.
30. Em oitavo lugar, é preciso construir um programa de transformações que não seja artificial, ou seja, que parta dos problemas reais enfrentados pela sociedade e que construa soluções que atendam às necessidades das camadas populares, respeitando os níveis de consciência e a correlação de forças em cada momento, mas sempre tendo em perspectiva que cada passo gera novas necessidades, novos conflitos e novas reações, cabendo à direção política do processo se antecipar.
31. No caso chileno, este programa se traduziu em dois eixos fundamentais: o poder popular e a área de propriedade social. O que nos remete para um nono tema, que é como fazer a conversão de uma economia dominada pelo capitalismo privado, em uma economia capitalista hegemonizada pelo capitalismo estatal, sob condução de um governo de esquerda.
32. Finalmente, é preciso discutir sempre como manter a iniciativa tática, especialmente no momento em que há momentos de impasse estratégico. A experiência chilena foi derrotada por diversos motivos, mas é um erro dizer que ela teria sido inevitavelmente derrotada. E se quisermos localizar um dos motivos teóricos para a derrota, ele consiste em confundir a defesa estratégica da legalidade, com a passividade legalista frente à subversão de direita. A história poderia ter sido diferente se, frente ao Tancazo (http://www.youtube.com/watch?v=1Tt5xVR-NTU), o presidente Allende tivesse acatado as propostas do General Prats de afastar os comandantes golpistas (http://www.ebc.com.br/noticias/40-anos-do-golpe/2013/09/o-tancazo-o-golpe-fracassado-de-29-de-junho ). O legalismo corresponde a visão estática da consciência popular. A legalidade é sempre uma mediação entre a lei (que expressa a correlação de forças passada) e a legitimidade (que expressa a correlação de forças presente). A burguesia sabe disto muito bem e não deixa de invocar o suposto apoio popular, quando lhe interessa desrespeitar a legalidade, sempre que esta está do lado da esquerda.
33.A partir destes parâmetros, cabe analisar o processo político em curso em países como Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador.











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