segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Assim foi temperado o aço

A seguir, a apresentação escrita em abril de 2003 para uma edição brasileira do livro Assim foi temperado o aço, de Nikolai Ostrovski  (editora Expressão Popular, São Paulo).


Em março de 1917, o que era para ser uma grande manifestação em homenagem ao Dia Internacional da Mulher converte-se numa greve geral que, após alguns dias, provocou a renúncia do Czar Nicolau e o fim da monarquia na Rússia.
Poucos meses depois, em novembro de 1917, o governo provisório republicano é derrubado. No seu lugar, instala-se o Conselho de Comissários do Povo, organismo eleito pelo Soviete de Deputados Operários, Soldados e Camponeses.
O principal dirigente do novo governo chama-se Vladimir Ilich Ulianov, conhecido como Lênin, principal dirigente da facção “bolchevique” do Partido Operário Social-Democrata Russo.
De 1917 até 1921, o novo governo luta por sua sobrevivência, ameaçada pelos exércitos alemães, pelos exércitos “brancos” (financiados pelos latifundiários e capitalistas) e pela desorganização da economia, após anos de conflito militar.
Neste período, prevalece o chamado “comunismo de guerra”, cuja expressão mais simples é a requisição forçada da produção dos camponeses, para alimentar as cidades e o Exército Vermelho.
Como resultado, o campesinato, que constituía a imensa maioria da população russa, reduz a produção e coloca-se paulatinamente contra o governo soviético. Para manter a aliança operário-camponesa e garantir o funcionamento da economia, o Partido Comunista Russo (denominação assumida, em 1918, pelos bolcheviques) adota a NEP (Nova Política Econômica).
Segundo esta Nova Política Econômica, os camponeses passam a ter o direito de vender o excedente de sua produção, devendo apenas pagar impostos ao governo. Acabam as requisições forçadas. Os camponeses voltam a abastecer as cidades.
De 1921 até 1927, os comunistas russos debatem os caminhos para a construção do socialismo naquele país. Contra as expectativas alimentadas pela liderança bolchevique quando da tomada do poder, em nenhum outro país a revolução havia vencido. O isolamento internacional era agravado pelas características da sociedade russa, economicamente atrasada e tida como um país em que poderia ser mais fácil começar a revolução, mas onde seria muito mais difícil construir o socialismo.
Entre as várias polêmicas daquele período, uma das mais importantes dizia respeito a como ampliar a industrialização do país, cuja economia era majoritariamente composta pela pequena produção familiar camponesa.
Grosso modo, dois caminhos foram propostos. O primeiro deles prevê um longo período de estímulo à pequena produção camponesa, cujo crescimento econômico geraria as bases para uma ampliação da indústria. O segundo deles prevê reduzir o número de pequenas propriedades camponesas (que seriam reunidas em cooperativas ou fazendas coletivas), gerando assim o mercado (tanto de mão-de-obra, quanto de consumo) necessário para uma industrialização rápida.
No final dos anos 20, o Partido Comunista Russo opta pelo caminho da coletivização e industrialização forçadas. O campesinato é forçado a adotar formas coletivas de produção. Os operários são convocados a um brutal esforço produtivo. A contrapartida política e ideológica esse processo é o que se convencionou chamar, posteriormente, de estalinismo.
Dez anos depois, entretanto, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas transforma-se numa potência industrial, que se demonstrará capaz de derrotar a máquina nazista, na Segunda Guerra Mundial.
A opção pela coletivização e pela industrialização rápida foi uma nova revolução. A principal transformação foi que milhões de pessoas deixaram de ser pequenos proprietários e transformaram-se em operários (industriais ou agrícolas).
A nova classe operária, surgida deste processo, não tinha a experiência política prévia, adquirida ao longo de muitos anos, pelo proletariado que protagonizou a revolução de 1917. Os novos operários, bem como a maioria dos novos integrantes do Partido Comunista, eram recém-saídos das fileiras do campesinato. Sua principal escola havia sido a guerra, seu principal traço psicológico era a crença de que a vontade política era capaz de superar qualquer desafio.
Nesse contexto social, o Partido Comunista também sofre grandes mudanças. Em 1917, quando a revolução começa, os bolcheviques eram menos de 15 mil. Em 1921, são mais de trezentos mil. No final dos anos 1920, o PC russo e as organizações de massa que ele dirige reúnem milhões de pessoas.
Em decorrência, o trabalho de educação política ganha uma nova dimensão. As escolas, o cinema, a rádio, as artes gráficas, a literatura são colocadas a serviço da formação destes milhões de “homens novos” do socialismo soviético. Trata-se de incutir, em dezenas de milhões de pessoas, os valores da nova ordem. A fusão entre as “artes” e as necessidades educacionais e políticas do regime soviético dá origem, assim, ao chamado “realismo socialista”.
O livro que o leitor tem nas mãos é uma das expressões mais conhecidas deste processo. A começar pelo título --Assim foi temperado o aço-- trata-se de literatura a serviço de uma causa política. As dificuldades e tensões extremas que marcam a vida de Pavel, protagonista principal do livro, simbolizam a história da classe operária russa –especialmente no período que vai da revolução de 1917 até o final dos anos 1920-- e firmam a idéia de que os comunistas são portadores de uma “vontade inquebrantável”.
Assim foi temperado o aço teve milhões de leitores, dentro e fora da URSS. Serviu para educar, nos valores de uma determinada concepção de comunismo, toda uma geração de militantes, após a Segunda Guerra Mundial.
Ler este livro, tantos anos depois dos acontecimentos que ele descreve e uma década depois do desabamento do mundo que ele ajudou a forjar, é uma aventura emocionante.
Interpretar politicamente e de forma crítica a abordagem que ele apresenta, é uma obrigação para os que acreditam que a vontade política –embora não decida tudo e, aliás, decida menos do que pensam os protagonistas envolvidos em grandes movimentos revolucionários—continua sendo um fator decisivo na luta pelo poder e na construção do socialismo.




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